Semelhante, ainda em 2018, e abarcando a questão de gênero, que também influencia em subalternizações sociais, identifica-se a menor remuneração da mulher quando esta ocupa os mesmos cargos que os homens.

Vale ressaltar que a herança do período colonial se reverbera na contemporaneidade também no plano econômico, sendo ainda necessário considerarmos a dimensão da classe como uma das estruturadoras das desigualdades.

Os fatos elencados apresentam uma das características da modernidade ocidental, que consiste num sistema de distinções, visíveis e invisíveis, que dividem a realidade social em dois universos ontologicamente diferentes: o lado de cá da linha, correspondendo ao Norte imperial, colonial e neocolonial, e o lado de lá da linha, que corresponde ao Sul colonizado, silenciado e oprimido.

Ainda nessa esfera econômica, além das diversas experiências cotidianas que poderiam ser aqui elencadas, não poderíamos deixar de falar sobre as “linhas abissais”tomando como referência a expressão de Boaventura de Sousa Santos. Essas distâncias entre o norte colonizador, o sul colonizado e linhas abissais, podem ser consideradas como pontos de partida para serem explicitadas quando fazemos uma comparação entre dominados e dominantes.

A partir da compreensão de que ainda há uma colonização do pensamento nos dias de hoje, percebemos que há uma espécie de círculo vicioso, no qual as condições de privilégio e subalternização se perpetuam em função do sangue que corre nas veias dos indivíduos, o que se soma às condições de subalternização ligadas às suas origens familiares, de raça, bem como às suas condições de gênero.

Quando trazemos a expressão "linhas abissais", dialogando com Boaventura de Souza Santos, entendemos que há um pensamento abissal que se caracteriza por distinguir os visíveis e os invisíveis na sociedade. Essa divisão, segundo o autor, é produzida por linhas radicais (as linhas abissais) que separam a realidade social em dois lados distintos.

A divisão é tal que o “outro lado da linha” desaparece enquanto realidade, torna-se inexistente. Inexistência significa não existir sob qualquer forma de ser relevante ou compreensível. Tudo aquilo que é produzido como inexistente é excluído de forma radical porque permanece exterior ao universo que a própria concepção aceite de inclusão considera como sendo o Outro. A característica principal do pensamento abissal é a possibilidade de co-presença nos dois lados da linha. Este lado da linha só prevalece na medida em que esgota o campo da realidade relevante. Para além dela, há apenas inexistência, invisibilidade e ausência não-dialética.

SANTOS, 2010, p. 32

Para exemplificar as formas de materialização do pensamento abissal, o autor afirma que o conhecimento e o direito moderno representam os campos mais ferozes de manifestação desse tipo de pensamento. No campo do conhecimento, o pensamento abissal se expressa na legitimidade da ciência em monopolizar o que é verdadeiro e falso, o que faz por deslegitimar os saberes que não se produzem em espaços legitimados pela ciência, assim como temos dialogado.

No campo do direito, a distinção entre o que é legal e ilegal é dominada pelo direito oficial do Estado ou a partir do direito internacional (SANTOS, 2010).