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Artigo - O fracasso escolar de meninos e meninas: articulações entre gênero e cor/raça.

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A partir do que temos conversado, é válido refletir que neste século XXI já começamos, se não a saber, pelo menos a questionar as diferentes condições de sucesso acadêmico existentes entre um menino branco de classe média e de uma menina negra e pobre. No entanto, a ideologia do mérito persiste possibilitando, entre outras coisas, realizar comparações intragrupos.

Seja no âmbito educacional ou nas mais diversas esferas da vida, como o mundo do trabalho, a meritocracia se assenta na perversa crença de existência de condições iguais de desenvolvimento dos sujeitos na sociedade. Isso porque não há qualquer lógica de propagação de uma ideia que pressupõe a competição e premia os vencedores sem crer que todos e cada um dos oponentes têm as mesmas chances de sucesso.

A perversidade dessa construção consiste exatamente no ocultamento das hierarquias culturais, epistemológicas, identitárias, econômicas, entre outras, historicamente produzidas e que acabam gerando sujeitos individuais ou coletivos com condições muito diferentes de iniciarem sua “corrida para o sucesso” no plano social, sendo que, para chegar ao sucesso, nesse caso, há um padrão que deve ser seguido.

Ademais, por ser assentada em uma perspectiva universalista, a crença meritocrática não autoriza a emergência das diversidades, mas, ao contrário, pressupõe um modelo único e/ou padrão de indivíduo e de êxito social. Nesse sentido, acaba por naturalizar as instituições e o seu funcionamento, reduzindo demasiadamente as possibilidades de seu questionamento e subversão.

No entanto, não podemos perder de vista estratégias, ações e políticas que podem fissurar essas dinâmicas tão arraigadas em nossa sociedade. Por um lado, é  necessário buscar possibilidades para superação de condições sociais indignas de muitos sujeitos que chegam hoje às escolas públicas, assim como discutimos. Por outro, é necessário que a escola esteja conectada com as condições sociais dos sujeitos, com sua diversidade social e cultural, contextualizando seus projetos pedagógicos na perspectiva dos estudantes, de seus territórios, e buscando ações intersetoriais, em rede.

No contexto dessas possibilidades, o PBF fissura importantes lógicas sociais, marcadas pela desigualdade, ao complementar a renda de inúmeras famílias que vivem em situações de pobreza e extrema pobreza, condições que contribuem para a evasão e a repetência. Como vimos, as pesquisas apontam que, juntamente à falta de interesse pela escola, as condições sociais lideram os motivos de abandono escolar.

Podemos pensar então que o PBF se configura como uma importante ação ao complementar a renda de inúmeras famílias que vivem em situação de pobreza e em extrema pobreza e garantir os direitos nas áreas da educação, da saúde e da assistência social, condições que contribuem para a repetência, o abandono e à evasão escolar.

Podemos pensar que o PBF se configura como uma importante política social de enfrentamento e superação das desigualdade educacionais. Isso porque é uma contrapartida (condicionalidade) das famílias, beneficiárias do PBF, que têm crianças e adolescentes a matrícula e a frequência escolar mínima na escola, sendo 85% para crianças e adolescentes de 6 a 16 anos e 75% para aqueles adolescentes de 16 e 17 anos de idade.

Isso porque é uma condicionalidade do Programa que os membros da família em idade escolar estejam matriculados na educação básica para receberem o benefício. Ao se inserirem no PBF, as famílias aumentam seu poder de compra, criando condições de permanência na escola. Ao dialogarmos com Caetano (2010), é necessário entender que, para essas famílias, ter melhoria no poder de compra não significa comprar supérfluos, viajar, comprar automóveis etc, mas sim ter condições básicas de vida, podendo garantir a alimentação básica durante o mês, complementar o valor de uma conta a ser paga, ter condições de deslocamento, dentre outros.

Observe as falas abaixo:

Ah! Ela contribui [a renda do PBF], como é sempre no final do mês, dia 23/24, sempre contribui na alimentação. Vamos supor, vamos fazer a compra do mês, chega naquele dia tem que comprar mistura, uma verdura que falta.


Beneficiária PBF

Ah! Pra mim é bom, por causa que é um dinheiro que eu sempre posso contar no final do mês, porque eu pego no dia 24, e eu sempre, daí quando chega no final do mês, a gente sempre tá sem dinheiro nenhum. Aí, pelo menos tem um dinheirinho pra pode comprar as coisas pras crianças, muito melhor porque daí não prejudica.


Beneficiária PBF

Mergulhando nos exemplos dados, é possível pensar que, ao centralizar a ação da escola, no que tange à superação das desigualdades e à diminuição do abandono escolar, as condições sociais dos sujeitos precisam ser consideradas. Isso no intuito de construirmos uma escola em que a diversidade social e cultural seja efetivamente um valor. É necessário considerar as crianças, adolescentes e jovens como centro dos processos educativos, adensando a participação desses sujeitos nos planejamentos e nas práticas cotidianas.

A partir disso, pensamos também que a participação efetiva das crianças, adolescentes e jovens na construção das práticas escolares é um importante mecanismo de aprendizagem, uma vez que interconecta os indivíduos em processos coletivos e proporciona a construção do conhecimento a partir do diálogo.

Assim, é importante suscitar ações dentro da escola que permitem que estudantes façam escolhas, expressem suas opiniões sem medo de que as divergências de ideias possam gerar conflitos entre as pessoas.

O dia a dia da vida escolar é cheio de desafios. Uma boa administração, conseguir cumprir com o conteúdo pedagógico de maneira eficiente e aproximar a família do ambiente escolar estão dentre as preocupações do gestor. Com tantos desafios, o estudante, que é um dos atores principais desse meio, muitas vezes, é considerado apenas um participante que ouve e obedece. No entanto, a participação estudantil é garantida por lei, por meio dos grêmios, e a direção e os docentes precisam estar preparados para incluir a voz do aluno nos problemas escolares.

Como vimos, os processos educativos que visam a resolução das desigualdades educacionais não são estáticos e se relacionam com várias dimensões que buscamos abordar. Por exemplo, a marginalização de sujeitos e saberes sedimentadas pela colonização; a consolidação de uma escola desigual e homogeneizadora; as relações da pobreza, da raça e do gênero nos processos educativos; a importância da participação dos educandos na escolha dos temas trabalhados, bem como o reconhecimento de que os processos educativos são construídos coletivamente entre educandos, educadores e toda a comunidade.