Essas questões nos levam a pensar elementos de diferenciação social e subalternização dos sujeitos a partir dos processos de colonização, mesmo após o fim desse período. Partiremos do pressuposto de que a colonização não se resumiu apenas à conquista de terras e povos, mas também consistiu na subalternização de identidades várias, bem como de conhecimentos e sujeitos colonizados, além da exploração econômica destes. Convido, agora, você a ler um excerto da carta de Pero Vaz de Caminha, para que pensemos no processo de colonização do Brasil:
Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem. Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.
O que podemos pensar a respeito desse trecho? Bem, conforme relata essa passagem do “caderno de campo” de Pero Vaz de Caminha, sobre quando ele chegou ao Brasil, é possível pensar que o olhar autocentrado do português para os povos originários acabou por fixá-los como bárbaros, frágeis, ignorantes e incapazes. O que, além de exercer um papel de inferiorização e consequente autorização à exploração, mais do que autorizar, insinuava como necessária ou legitimava a intervenção do colonizador sobre esses corpos, numa perspectiva de aculturação e promoção de civilidade. O que isso pode ter repercutido no nosso “hoje”?
A objetivação desse pensamento pode ser verificada em várias dimensões, inclusive com reverberações identificadas ainda hoje. Ao refletirmos sobre isso, vemos que a tentativa de escravização dos povos indígenas e a sua efetivação junto aos povos africanos é, sem dúvidas, a repercussão mais radical. A concepção de que esses povos eram subalternos, inferiores e menos humanos acarretou na submissão desses sujeitos ao extenuante trabalho forçado e não remunerado e, inclusive, na legitimação da hipótese de que eram despossuídos de alma.

Ainda, entendemos que foi essa matriz de pensamento e das práticas coloniais que orientou, por exemplo, a histórica submissão da mulher, também considerada um ser humano incapaz e de “segunda ou terceira categoria”. Foi destinado à mulher, entre outras funções, o cuidado dos filhos e do lar e não mais do que a aprendizagem das primeiras letras, com a finalidade de satisfazer as necessidades da cultura patriarcal.
Coluna - As lições do feminismo popular: da submissão privada ao poder público
Essa lógica do pensamento colonial europeu atuou na distinção de identidades e de saberes e práticas, enquanto diferença colonial. Isto é, nas palavras de Mignolo (2003), atuou na transformação da diferença cultural em valores e hierarquias. Ou seja, aqueles que não se encaixassem à cultura que os portugueses trouxeram para nosso território, eram produzidos como subalternos na hierarquia social, mortos, escravizados.
É importante refletirmos que, para além do fato desse processo de colonização produzir detentores unitários de riquezas – nos lembremos aqui, entre outros emblemáticos fatos históricos, do que foi o processo de destinação de capitanias hereditárias no Brasil e a perpetuação desses privilégios desde então –, a diferença colonial também legitimou o endereçamento de posições de trabalho, a depender das identidades dos sujeitos, e, consequentemente, a maior ou menor remuneração pelas atividades realizadas.
Para saber mais sobre o que foram as capitanias hereditárias, assista ao vídeo abaixo:
Fonte: Buenas Ideias (2017).
Quando pensamos que a colonização também produziu identidades subalternizadas, a raça emerge como um importante elemento de distinção social que precisamos nos atentar. A partir da visualização do vídeo abaixo, pensaremos sobre como efetuou-se o processo de desigualdade racial no Brasil.
Fonte: Superinteressante (2016).