Também, quando nos atentamos na história, percebemos que a raça se configurou como “critério”, o qual orientou as distintas formas de acesso à educação no contexto colonial. Essa realidade acabou por essencializar sujeitos individuais e coletivos mais e menos “dignos” de dominarem os códigos da leitura e da escrita, bem como a sua posição no que diz respeito ao acesso e à produção de conhecimentos e à aquisição de saberes.
As práticas de dominação colonial também incluíram o ensino, realizado pelos jesuítas, da cultura, de códigos e de conhecimentos europeus, o que, historicamente, relegou culturas, saberes, crenças e identidades à marginalização.
“Ensinar”, para os jesuítas, admitia diferentes modalidades: as práticas de pregação e alfabetização dos indígenas, o ensino de artes e ofícios, que incluía os escravos africanos, e a educação dos filhos dos colonizadores brancos.
Esses fatos, ocorridos no âmbito do período de domínio econômico e político de Portugal sobre o Brasil, revelam a ingenuidade de crença de equitativos pontos de partida no contexto colonial.
Não me parece causar qualquer estranheza para o leitor ou a leitora dizer aqui que os sujeitos da Casa Grande tinham infinitas maiores possibilidades de “sucesso” (a começar pelas chances de sobrevivência) do que as pessoas escravizadas. Ou as possibilidades no mundo eram as mesmas para essas pessoas?
Ademais, os eventos elencados anteriormente explicitam não a admissão da diversidade, mas, ao contrário, a sua desautorização a partir da imposição de um padrão – europeu colonial – a ser alcançado, de modo que os sujeitos externos a esse modelo eram fadados a não existência ou à existência subalterna.
Esse histórico da educação brasileira reverberou em um modelo educacional que ainda se sustenta, podendo dar pistas para interpretarmos fenômenos tão arraigados nas trajetórias escolares, como a repetência e a evasão, pois a instituição escolar no Brasil se consolidou também dentro das lógicas coloniais.
Com isso, à medida que são desenvolvidos processos pedagógicos que não dialogam com a diversidade da realidade das crianças, adolescentes e jovens, a escola se torna um espaço desinteressante para esses sujeitos. E o que isso pode causar? Ao pensar nessa realidade, entendemos que essa situação, somada à necessidade do trabalho e de outras demandas sociais, acaba por levar os estudantes à repetência e ao abandono da escola.
Dentre as várias possibilidades de interpretação dos dados apresentados, constatamos que grande parte da população que abandona a escola o faz devido à falta de interesse por ela. Ainda que não seja o principal fator, tal motivo para o abandono, aliado a outras causas, como a necessidade do trabalho, atua na perpetuação das desigualdades educacionais. Frente a isso, questionamos: quão “interessante” a escola se faz para seus alunos? Nas escolas em que você atua ou auxilia no desenvolvimento, quão interessante elas são para os alunos?
Mergulhando no entendimento desse questionamento, pensamos ser necessário que, para além de políticas públicas que buscam enfrentar essas desigualdades, como o PBF, gestores e educadores, no âmbito das escolas, pensem em estratégias educativas e em projetos pedagógicos mais conectados com a realidade dos sujeitos.
Podemos nos indagar o porquê de problemas educacionais contemporâneos tão arraigados na sociedade brasileira estarem relacionados com o período da colonização, o qual, embora duradouro, encontra-se relativamente distante.
Voltando ao período de colonização, como sabemos, foi em 1889 que se proclamou a República no País, o que, conceitualmente, deveria significar, além da independência da metrópole e, consequente eleição de seus governantes, a diminuição das desigualdades. No entanto, podemos dizer que muitos processos sociais sedimentados no período da colonização ainda persistem na América Latina, mesmo com o fim do período colonial.
Aníbal Quijano, em 1989, elaborou o termo colonialidade a fim de denunciar que a dominação marcadamente presente nos sistemas coloniais ainda perdura, mesmo após o fim das colônias, como apresentamos anteriormente.
Além disso, a elaboração desse conceito nos permite analisar, na contemporaneidade, processos de subalternização e marginalização social que não foram superados pelo fim do colonialismo, os quais persistem e são tangenciados, de acordo com o autor, por três eixos estruturantes: raça, gênero e trabalho.
É a partir desses eixos que se materializam as relações de exploração/dominação/conflito de grupos hierarquicamente superiores a outros. Nesse sentido, "colonialidade é um dos elementos constitutivos e específicos do padrão mundial do poder capitalista" (QUIJANO, 2007, p. 93).