A escola e os processos de colonialidade: limites da meritocracia no fazer pedagógico

É importante vislumbrarmos que os processos de colonialidade aqui discutidos refletem amplamente no modelo de escola hegemônico no Brasil que ainda se perpetua. A maneira como a maioria das escolas se organiza é fruto de uma cultura escolar que emerge em um período histórico em que o Estado-Nação se fortalece e busca estabelecer uma cultura única sobre o território.
Nesse processo, não só a escola, mas o exército também serviu de instrumento importante para auxiliar as conquistas do Estado. A atuação da escola, dentro das lógicas em que esta se consolidou, significou também a destruição de culturas tradicionais, de saberes oriundos dessas culturas, o que deixa explícito aspectos de violência na consolidação da cultura escolar hegemônica brasileira, que é transpassada pelo “padrão dominante de poder/saber/ser que classifica culturas e racionalidades” (ARROYO, 2012).
Nesse sentido, não é incomum nos depararmos no cotidiano das escolas com elaborações pedagógicas, intencionadas ou não, que partem do mérito. Esta ideia da retribuição ao esforço é uma perspectiva muito latente e deriva de uma herança cristã colonial levada adiante pela escola e ainda, em certa medida, muito presente nos dias de hoje.
Vejamos a charge abaixo que criticamente expõe a perspectiva meritocrática.

Não podemos deixar de refletir que as condições em que nascemos determinam muito de nossas trajetórias durante a vida, pois há processos vivenciados pelas pessoas que escapam às escolhas individuais. Mas sim, são heranças históricas que determinaram hierarquizações sociais perversas ainda vigentes e enraizadas na construção social de nosso País. Nesse sentido, ao centralizar a ideia de que pensar que todos os indivíduos têm a mesma condição de caminhada para aprender, para alcançar uma alta escolarização ou para mudar de classe social é, em grande parte, uma falácia.
Vídeo - O Mérito.
O vídeo desenvolvido pela UNIVESP evidencia, com dados de pesquisas, a improbabilidade de tomarmos o mérito como um dos elementos de superação das desigualdades. Aponta ainda alguns processos enraizados no Brasil que apenas políticas públicas específicas poderiam resolver.
Vídeo - Jogo dos Privilégios
O vídeo traz a linguagem cômica de um programa de televisão e demonstra, através de um jogo simples, as tensas diferenças entre as condições de vida entre as pessoas no Brasil, determinadas por condições de raça e gênero.
Para além da forte dimensão cultural nos processos de subalternização dos sujeitos, que perpassam diferentes dimensões da vida, vale dizer que o enraizamento da ideologia do mérito se justifica e se fortalece dentro da sociedade capitalista, mundialmente dominante. Isso porque a tomada do esforço individual como valor passa a ser uma roda motriz também para o funcionamento da economia.
No ambiente de uma empresa, por exemplo, o funcionário, para alcançar um lugar mais prestigiado, precisa se esforçar, mostrar resultados. Assim, em algum momento, ele poderá ser o empregado do mês e, se tiver se esforçado o suficiente, pode “ganhar” uma promoção. Esse funcionário precisa acreditar que é preciso se esforçar para alcançar o cargo de gerência ou chegar ao lugar de patrão, sendo essas possibilidades sujeitas ao nível de dedicação.
Mas sabemos que há um modelo padronizado do que é ser dedicado, inteligente, um ser culto, e esse modelo, de acordo com as discussões de colonialidade que aqui travamos tem impactos diretos em corpos e trajetórias que dele se afastam. Não é um exagero afirmarmos que um funcionário negro, mesmo que se esforce muito, tem menos chances de “crescer” em uma empresa, ou, até mesmo, que uma pessoa branca consiga uma vaga de emprego concorrendo com uma pessoa negra que tenha mais requisitos que ela.
Soma-se a isso o fato de pessoas negras ainda serem minorias absolutas nos espaços legitimados de poder. Esses processos nos levam a entender que há um racismo institucional enraizado na organização social, fruto da colonização no Brasil.