No contexto brasileiro, quando abordarmos o casamento LGBTIQA+, é importante ressaltar que, embora haja avanços no Código Civil de 2002, que assegurem os direitos de toda pessoa a se casar ou a constituir uma união civil estável, é possível encontrar princípios que tentam normalizar a vida dos sujeitos que não se encaixam no padrão. O resultado disso é que algumas  normas podem oprimir vidas que se distanciam do padrão exigido por elas. Ao analisarmos o Código, encontramos partes que falam sobre monogamia, heteronormatividade e religiosidade – essas são características que se espera que todos sigam, e que limitam outras possibilidades de relacionamento.

Isso porque, ao considerar o casamento como “uma comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges” (BRASIL, 2002) e como um ato que “se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados” (BRASIL, 2002), a legislação não contempla o direito de grupos familiares não heterossexuais ou não cisgêneros.

Essas questões nos levam a entender que há, atualmente, modificações profundas nas funções atribuídas a homens e mulheres no interior das famílias.

Kamers (2006) afirma que a ideia de família como instituição privada determinou, ao longo do tempo, funções pré-determinadas aos sujeitos. Isso ocorreu quando papéis fixos foram atribuídos aos membros das famílias, ou seja, a “boa criação dos filhos” foi conferida às mulheres, e, aos homens, foi dada a função de prover a família financeiramente, sendo uma função dependente da outra.

No entanto, a autora coloca que o advento da mulher no mercado de trabalho e seu afastamento de funções exclusivamente domésticas modificou um pouco esses “papéis”. Hoje sabemos que é equivocado atribuir funções familiares apenas em função do gênero dos sujeitos.

Figura 3: família cozinhando. Elaboração: LANTEC-UFSC (2018).

No campo dos estudos sociológicos, essa nova perspectiva também ganha força e nos auxilia a compreender as mudanças pelas quais as famílias têm passado, não só nos arranjos familiares, mas também nas relações e nas mudanças de papéis sociais.

Afirmar que a família nuclear – quer dizer, uma família composta de um homem, uma mulher e seus filhos e que vivem na mesma moradia – sempre existiu não significa, entretanto, dizer que esta sempre preenche funções idênticas, ou que a regulação das relações entre sexos e gerações seja a mesma.


SINGLY, 2007, p. 31

Nesse sentido, a complexidade do mundo contemporâneo nos leva a entender que a diversidade das famílias vai além da questão da composição dos grupos familiares. Isto é, ela também se expressa em outras dimensões, como a cultural, a religiosa, a geográfica, de classe social e de raça, o que vai influenciar em diferenças que se manifestam nas vivências sociais dessas famílias.

Por exemplo, se uma criança, adolescente ou jovem tem o pai católico e a mãe candomblecista, certamente ela levará consigo características das duas religiões nos espaços sociais em que circula, na comunicação, na maneira de vestir, nos hábitos alimentares etc. Outro exemplo é pensar que pessoas da mesma família que vivem em lugares diferentes, com línguas e culturas distintas, desenvolveram ao longo do tempo aspectos da comunicação e da socialização diferentes devido às relações que desenvolvem com o ambiente.

A diferença entre famílias também se acentua e se torna perversa quando pensamos nas condições de raça, gênero e classe social, pois salta aos olhos a desigualdade nas trajetórias escolares de crianças, adolescentes e jovens em situações de extrema pobreza, beneficiárias do PBF (em particular as famílias negras, quilombolas e indígenas), em relação às famílias brancas e de classe média.

É importante dizer que as famílias brasileiras apresentam configurações que se relacionam a todo um passado histórico de colonização. A partir da imposição de regras, leis, hábitos, costumes e culturas dos povos portugueses, modelos familiares que já existiam no Brasil foram menosprezados, como por exemplo as configurações e dinâmicas familiares dos povos indígenas e do povo africano que foi escravizado em nosso território.

Mesmo reconhecendo a diversidade de povos que formaram a população brasileira, a legitimação de um modelo de família aconteceu da maneira como impunham os portugueses. A família de modelo patriarcal, centrada na figura do homem, foi definida como o modelo dominante, o que gera consequências atualmente.