Podemos compreender que essas distâncias determinam desigualdades educacionais assustadoras entre as crianças, o que também faz perpetuar as desigualdades sociais, tornando a experiência da infância distinta entre as crianças. Nesse sentido, o direito à infância, que passa pelo direito à escola, é vivenciado de maneira desigual. Enquanto para algumas crianças é negado o direito a ser criança, para outras esse direito é afirmado constantemente. Isso tem consequências na reprodução das desigualdades que desde o início da vida diferenciam os sujeitos.

Outro elemento importante que evidencia essa desigualdade entre infâncias está na dimensão da brincadeira. Os estudos sobre infância reafirmam cada vez mais a importância do brincar no desenvolvimento infantil. A importância de a criança ter o direito de brincar é muito mais que um passatempo. Podemos compreender que quando a criança brinca, ela se socializa, interpreta papéis sociais através do lúdico, organiza seu mundo no espaço que o cerca e já é inserida em relações sociais importantes, o que, consequentemente, vai atuar para que ela seja um adulto preparado para lidar com a complexidade das relações contemporâneas.


A linguagem da brincadeira ou o brincar, por exemplo, podem ser analisados como uma expressão da cultura infantil, evidenciando aspectos identitários e culturais. Sua análise permite que traços culturais da sociedade sejam evidenciados, tanto porque o mundo infantil constitui-se nas relações intergeracionais quanto pelo fato de o brinquedo metamorfosear as marcas do real que atravessam o imaginário da criança.

CARVALHO, 2015, p. 5

Desse modo, convidamos os(as) leitores(as) a se debruçar nas seguintes questões: quais crianças têm efetivamente o direito ao brincar? Todas as crianças têm espaços para o compartilhamento de experiências coletivas?

As questões postas acima nos instigam a voltar para nossos ambientes de trabalho e pensarmos nas crianças que lidamos no dia a dia da escola, principalmente aquelas que vivem situações de pobreza e extrema pobreza, por exemplo, os beneficiários do PBF. Muitas crianças têm unicamente a escola como espaço propício às brincadeiras, pois para elas este é um ambiente de proteção. Ao chegar em casa, diversas crianças são inseridas em processos e trajetórias de vida acidentadas, convivem de perto com o tráfico de drogas, ajudam nas tarefas domésticas e na geração de renda da família, são submetidas ao trabalho infantil, sofrem pressão psicológica, abuso sexual etc. O PBF se configura como um importante apoio para que as crianças de famílias em situação de pobreza tenham mais do que condições de sobrevivência, tenham também condições de seguirem na escola até o final da Educação Básica.

É importante ressaltarmos que a diversidade de infâncias não se relaciona somente à classe social à qual a criança pertence, mas tem a ver também com os pertencimentos de raça, gênero, religião, cultura e território. Isto é, crianças brancas, negras, quilombolas, ciganas, ribeirinhas e indígenas irão vivenciar esse tempo de vivência de maneiras distintas e, consequentemente, irão levar traços dessas vivências para o ambiente escolar. Não podemos nos esquecer de que a família é a primeira instituição educadora da criança, sendo a referência da construção da identidade desta, que levará aspectos de sua socialização familiar para outros âmbitos de convivência, como a escola.

Figura 3: diversidade. Elaboração: LANTEC-UFSC (2018).

Como temos dialogado, caros(as) educadores(as) e gestores(as) escolares, a infância é um termo múltiplo e, portanto, sujeito a várias concepções. Podemos entender que a cada tempo, de acordo com as características da sociedade, a infância agrega uma interpretação e um significado. Adentrando nessa compreensão, podemos entender que a infância tem um significado não apenas ligado à idade cronológica, mas sim às transformações sociais dadas ao longo do tempo. Assim, as culturas infantis relacionam-se a tempos e espaços sociais, mas também são capazes de influenciar questões mais gerais da sociedade. O professor e pesquisador Levindo Diniz Carvalho tem nos ensinado que:


as culturas infantis também exercem influência sobre a sociedade por meio da atuação ativa da criança no processo histórico de transformação cultural. Simultaneamente, essas culturas são produzidas e alteradas pelas recomposições e dinâmicas das condições sociais em que vivem as crianças, regendo suas possibilidades de interação com seus pares e com os adultos.


CARVALHO, 2015, p. 6