Enquanto educadores, gestores e profissionais da educação, é importante refletirmos sobre o processo de aprendizado e desenvolvimento integral dos nossos estudantes, mas temos também que pensar em como podemos auxiliar esses sujeitos e suas famílias a romper com determinadas condições.

Quando a situação de vulnerabilidade social de uma família se intensifica, com sobreposição de dificuldades relativas a trabalho, saúde e moradia, a possibilidade de empreender tais esforços fica comprometida. Isso ocorre mesmo entre famílias que têm acesso a benefícios sociais por meio de programas governamentais.

RIBEIRO, 2015, p. 3.177

É nesse quesito que entra o PBF, que atualmente se constitui como uma política pública importante para as famílias que vivem em situação de pobreza. Ademais, quando articulamos essa perspectiva às trajetórias escolares dos beneficiários, é importante entender que o PBF pode ser um importante instrumento no combate à repetência, ao abandono e à evasão escolar. Mais importante ainda é considerarmos que o PBF, sendo um programa de transferência de renda condicionada, tem como centralidade a garantia de direitos à educação, à saúde e à assistência social, e tem como um dos seus desafios o enfrentamento e a superação dos ciclos intergeracionais da pobreza e da miséria enraizados na sociedade brasileira.

Não podemos esquecer que, no Brasil, o direito à educação e o acesso à escola pelas parcelas mais pobres e pelas minorias sociais negros, mulheres, índios, ciganos, quilombolas, povos do campo e das florestas é algo muito recente, se deu apenas nos finais do século XX. Como vimos, ainda há muitas crianças, adolescentes e jovens fora da escola. Somado a isso, não podemos nos esquecer que esses sujeitos, devido a padrões sociais, culturais e educacionais, reflexos da colonização, são corriqueiramente submetidos a vivências de marginalização no interior das escolas.

Salientamos ao(à) leitor(a) a importância de entender que a escola tem certa dificuldade para lidar com a diversidade, homogeneizando e igualando os processos educativos dentro de um único padrão, o que acarreta na perpetuação dos problemas educacionais, como o abandono escolar.

Convidamos os(as) leitores(as) para acompanhar algumas falas que ilustram essa perspectiva:


Eu tenho sete filhos para sustentar e não tenho condições de comprar sapato para todos. Na última semana, botaram meus dois filhos para voltar para casa e eles ficaram sem assistir aula porque não tinham um sapato. Ela [diretora] só mandou um recado pelo próprio menino dizendo que sem sapato não entrava na escola. Agora, depois de tudo isso, eu arrumei calçados para eles. Mas foi só porque me doaram, porque para comprar mesmo eu não tenho condições.


Primeira fala - Comentário de uma mãe


Nós estamos cumprindo as normas. Temos instruções normativas que dizem que os meninos têm que estar com a camisa da farda, calça e um tênis. Na verdade, esta é uma política que estamos trabalhando há três anos, orientados pela Secretaria de Educação.

Segunda fala - Comentário de uma gestora escolar


Mãe relaxada é aquela que não manda filho para escola.

Terceira fala - Comentário de uma mãe

Como o(a) leitor(a) pode perceber, muitas vezes as famílias passam a ser culpabilizadas por essas situações, na medida em que se distanciam de regras, padrões, comportamentos exigidos pela escola, revelando que ainda existe um olhar colonial sobre as famílias que vivem em territórios de pobrezaAs desigualdades dos percursos escolares, nesse sentido, nos mostram que determinados grupos sociais presentes na escola têm a deficiência escolar justificada pela condição social e cultural dos sujeitos. Não há, assim, o “reconhecimento de suas diferenciações, resultando em um conjunto de representações sociais pautadas por estereótipos negativos e por forte estigmatização, especialmente no que se refere à questão da violência.” (FERNANDES, 2008, p. 95).

É comum, no Brasil, que muitos estudantes, devido à pobreza extrema, não possam estar vestidos como manda a escola. Isso não significa necessariamente que a família não se preocupa com a vida escolar da criança ou não respeita o combinado e as regras escolares, mas que pode ser uma situação que se relaciona às condições de vida dessas famílias. Cabe, nesse caso, à escola aproximar-se delas, dialogar acerca da situação que estão vivendo, e não apenas obrigar as famílias a entrar em suas rédeas ou excluir a criança, o(a) adolescente ou o(a) jovem da escola.

Isso nos traz consequências perversas, na medida em que o que é chamado de desestruturação da família, bem como a falta e a carência do território em que estes estudantes vivem, passa a ser a culpada pelas dificuldades apresentadas nas trajetórias escolares dos(as) estudantes. Para além disso, quando a dimensão do preconceito se fortalece no interior da escola, a tendência é o aumento do fracasso escolar e, consequentemente, do abandono da escola pelos estudantes, perpetuando o ciclo de pobreza por parte das famílias, devido a não superação das desigualdades educacionais.

Assim, com o intuito de desmistificar esses preconceitos e de trazer a diversidade para o ambiente escolar, respeitando também as condições socioeconômicas dos sujeitos, propomos a educadores e gestores escolares o exercício de alteridade e o respeito ao lugar de fala dos estudantes que estão nas escolas. Acreditamos que isso pode enaltecer a diversidade dos estudantes e de suas famílias e transformar essa pluralidade de sujeitos em apoio pedagógico, ampliando as condições para a permanência de crianças, adolescentes e jovens na escola, bem como o seu desenvolvimento integral.

Quando falamos de respeito ao lugar de fala, propomos um exercício de valorização das vozes de sujeitos historicamente marginalizados em relação a seus saberes. No âmbito da escola, podemos relacionar esse conceito às vozes silenciadas de famílias, crianças, adolescentes e jovens pobres, negros, de diferentes orientações sexuais, quilombolas, ciganos, indígenas etc. “Pensar em lugar de fala seria romper com o silêncio instituído para quem foi subalternizado, um movimento no sentido de romper com a hierarquia." (RIBEIRO, 2017, p. 90).