É, portanto, necessário que a escola esteja em diálogo constante e em movimento com a diversidade de sujeitos e dos coletivos a que eles pertencem, ao reavaliar suas bases pedagógicas e seu currículo escolar. A escola e seu grupo de educadores devem buscar planejar coletivamente, com os estudantes e as famílias, ações pedagógicas no bairro de demais espaços do território, a exemplo das praças, teatros, parques, centros comunitários, entre outros. Além disso, é interessante que as escolas busquem participar de ações promovidas por grupos culturais da cidade, manifestações do bairro, inserindo os estudantes em dinâmicas outras de produção do conhecimento que no interior da escola muitas vezes não são descortinadas.

O aprendizado em movimento pode despertar interesses e curiosidades que irão beneficiar a produção de conhecimentos mais contextualizados com as dinâmicas de vida na cidade e no campo.

Observemos o relato abaixo de uma educadora que atua em uma escola pública conhecida por desenvolver projetos fora da escola, em espaços diversos do território e, até mesmo, em outras cidades.


Eu acho que as excursões, pra eles, é o que há de melhor na escola. Por quê? Porque tem muito menino, a maioria dos meninos aqui presentes nunca tinha conhecido uma praia, nunca tinha saído do bairro. Então é a oportunidade que eles têm de ver cultura diferente, vivenciar coisas diferentes. Pra eles é deslumbrante. Pra nós não é tanto; pra eles, são [sic]. Então esses passeios que eles fazem, principalmente essa [excursão] que eles fazem pra outro estado, nossa! É tudo pra eles, tanto que ‘chega’ lá e eles não querem nem dormir, de tão eufóricos que eles ficam. Acho que eles ficam com medo de perder tudo. Só de você sair com eles do bairro, pode ser um bairro vizinho aqui, eles ficam loucos. É novidade pra eles. Eles se sentem mais importantes. Porque toda vez que você se sente culturalmente mais aflorado, você acaba se sentindo mais importante.

Relato de uma educadora

Podemos refletir, a partir da fala da educadora, que sair da escola, transitar, conhecer outros espaços pode ser um importante instrumento que corrobora o diálogo que aqui estamos desenvolvendo acerca dos territórios educativos. É importante que os estudantes vivenciem possibilidades de conhecimento que se dão nos espaços e nas relações da cidade. Assim, ao considerar os espaços que expandem não só a escola, mas o próprio bairro, a dimensão da cidade pode suscitar que os estudantes entrem em contato com aspectos locais e globais da reprodução social do espaço, contribuindo tanto para a percepção deles sobre o espaço que os cerca, como para a apropriação cultural da cidade.

Sobre isso, Bernardi (2011) expõe que, ao transitarem pelos espaços no exterior da escola, os estudantes, além de se apropriarem de aspectos da cultura da cidade, apropriam-se dela e a ressignificam, a partir da territorialidade e da corporeidade.

A análise da autora vem ao encontro de nossa discussão, pois identifica que as práticas educativas em espaços fora da escola podem potencializar as crianças, adolescentes e jovens a criar laços de pertencimento e apropriação cultural do ambiente urbano. Ao mesmo tempo, instiga-nos, refletindo que sair às ruas, no contexto escolar, significa também um movimento político e ético pela cidade, bem como poético.

Sentir o distante mais próximo... Espaço do gostar... do encontro... Integrar-se à atmosfera juvenil, ao parque... acervos culturais de pertencimento. Quando esses sujeitos-estudantes estão neste lugar e encontram jovens que transitam em outros lugares, agem de determinada forma com as quais se identificam; se desenvolve, neste tempo-lugar, um sentimento de pertencimento, que se processa na comunhão com uma estética e uma ética que passa pela paisagem, pela apropriação corporal do espaço-parque, pelo movimento do skate, pela moda, pelos desejos de consumo, pelo comportamento de grupo. A questão do território e do direito à expressão corpórea e simbólica de sua juventude é assim presentificada: estou aqui, neste lugar... Faço parte deste universo, me comunico, posso pertencer a este grupo, sou aceito por estar aqui.

BERNARDI, 2011, p. 109, grifos do autor

Podemos também refletir que as contribuições aqui expostas sobre a articulação da escola com espaços outros da cidade vão ao encontro dos princípios do movimento das cidades educadoras, que tem ganhado força nos últimos anos e relaciona-se à dinâmica de deslocamento e expansão do espaço escolar em direção à cidade. Segundo considerações de Villar (2001), essa dinâmica aprofunda a relação escola-território, considerando-se a existência de um caráter dialético entre eles. A escola potencializa as experiências e vivências no território (daí a proliferação de saídas escolares e visitas a diferentes instituições, equipamentos etc.) para realizar uma posterior reflexão cultural na escola; por outro lado, trata-se de tornar usual que os diversos grupos de jovens obtenham um modo de relacionar-se com a cidade fora do tempo escolar (VILLAR, 2001, p. 24).

Como vimos, no tocante a essa perspectiva, é imprescindível que o planejamento das ações pedagógicas proponha a abertura da escola para a cidade, buscando a circulação dos estudantes em espaços urbanos diversos, bem como a articulação da escola com coletivos, sujeitos e movimentos vários que imprimem suas marcas e constroem saberes na cidade. Isso somado às relações complexas existentes no entorno de cada bairro, no interior das famílias e na relação do educador com o estudante faz emergir elementos-base para as relações que tecem o território educativo.

A dimensão do território educativo vem, portanto, fortalecer as discussões realizadas durante toda essa temática “Escola, Famílias e Comunidade”, na qual buscamos reconstruir visões estereotipadas sobre as dinâmicas sociais, ainda arraigadas no imaginário social e de muitos educadores e gestores escolares, que perpassam os territórios marcados pela pobreza e os sujeitos que vivem nesses territórios. Desse modo, convidamos o leitor e a leitora a assistirem ao vídeo abaixo sobre como a escola e a comunidade se juntam para construir uma relação positiva e integradora de “escola versus alunos versus território”.

Fonte: TV Escola (2009).

Finalizamos essa temática com a imagem do pintor uruguaio Joaquín Torres García, que tece uma crítica à hegemonia do norte da América, representando o sul da América no topo da Terra.

Que a imagem nos inspire a reverter a invisibilidade de crianças, adolescentes e jovens, buscando elementos de suas vivências para pautar os processos educativos e, mais do que isso, que possa inspirar processos de transformação social.

Figura 6: mapa sul modificado. Elaboração: LANTEC-UFSC (2018).