Entre o local e o global: a cidade e o campo como territórios educativos

Dialogamos, até então, sobre como é importante à escola olhar para além de seus muros e aliar-se ao seu entorno, bairro, comunidade e saberes locais, movimentando-se coletivamente para a construção de territórios educativos. Mas todo território – seja ele urbano, rural, indígena ou quilombola – é resultado de relações culturais e sociais locais que se somam a relações de caráter global, as quais ganham cada vez mais importância nesse mundo globalizado.
Por isso, é importante expandir nosso olhar para territórios distintos, colocando-os em diálogo, e reconhecer dimensões sociais e culturais de caráter mais amplo, que atravessam as relações locais vividas no cotidiano da multiplicidade de territórios existentes no Brasil, sendo importante desvendá-las. Para tanto, conversamos com a ideia de Paulo Freire (1987), para quem os homens se educam entre si mediatizados pelo mundo.
Em se tratando do contexto rural brasileiro, cabe destacar que podemos pensar as relações e fenômenos importantes que se configuram, como o avanço do agronegócio, a marginalização dos movimentos sociais, a questão histórica da desigualdade da posse da terra. Elementos de ordem global que se relacionam, intimamente, com a supervalorização do capital, que se sobrepõe à valorização da vida.
Além disso, os movimentos sociais são espaços educativos importantes, que carregam concepções e visões de mundo, sociedade e trabalho que têm muito a ensinar à escola. A dimensão do território educativo exige lidar com essas questões a fim de fortalecer a luta pelo território e pela transformação social das pessoas que nele vivem. Para tanto, não podemos nos esquecer de que os sujeitos que hoje chegam às escolas são Outros, dialogando com a expressão de Arroyo (2012). Eles levam às escolas conhecimentos importantes, que são construídos nos espaços de luta, e levam suas maneiras de conceber o mundo calcadas na resistência.
Cabe à escola, ante essas relações, (re)politizar o lugar do conhecimento, que passa a assumir outro significado, mais intimamente ligado às vivências das crianças, adolescentes e jovens que hoje estão nas escolas. Ao abarcar essas dimensões do saber que os sujeitos levam às escolas do campo, construídas em suas lutas cotidianas por terra, território e alimento, é mais que necessário reconhecer que
o direito ao conhecimento adquire outros significados políticos. Não de acesso ao conhecimento tal como pensado na visão segregadora, abissal, no padrão de poder/saber que classificam os coletivos e seus conhecimentos em verdadeiros ou falsos, em racionais ou irracionais, na linha de lá, onde só existem crenças, magia, falsidades, e na linha de cá onde existe verdades, conhecimento real. Ao lutar pelos espaços de conhecimento, os coletivos em movimento não se pensam do lado de lá do falso à procura do verdadeiro do lado de cá. Pensam-se sujeitos de saberes de modos de pensar verdadeiros. Logo, conferem outros significados ao conhecimento e às suas instituições como espaços de copresença.
Fonte: Despertar Filmes (2014).
Ao lançarmos o olhar para as cidades, as formas como as relações globais atravessam os diversos territórios que as compõem se diferenciam; mas, assim como no campo, devem estar conectadas às relações vividas nos territórios locais. Ademais, é importante que essas relações sejam partes integrantes do trabalho da escola, bases da construção de territórios educativos. Nos ambientes urbanos, as diferenças sociais que determinam trajetórias já se estabelecem nas formas estéticas que diferenciam os territórios.
É muito comum que bairros de classe média convivam ao lado de bairros onde ainda não haja a mínima infraestrutura para um justo e digno viver. Essa clivagem já traz uma gama de discussões que a escola precisa abarcar e pautar em seus currículos, seus projetos pedagógicos, porque ainda há um padrão do que é vivenciar a cidadania, o que muitas vezes marginaliza vivências e culturas diversas, que se dão nos meandros dos territórios urbanos e se reverberam nas trajetórias escolares.
Por essa razão, é necessário que a escola busque pontes com os diversos coletivos e movimentos sociais do território, visto que esses grupos – que lutam de forma legítima contra processos históricos marcados pela colonialidade – evidenciam a necessidade de (re)pensar outras formas possíveis e mais inclusivas de viver nos diferentes contextos.
Entrar em contato com essa diversidade permite à escola se reeducar a partir das diversas visões desses coletivos e dos sujeitos que dele fazem parte, construindo territórios educativos também a partir desses encontros. Arroyo (2012) radicaliza essa ideia ao afirmar que
na medida em que os alunos(as) chegam dos coletivos diferentes e mostram sua classe social, sua raça, seu gênero, suas orientações sexuais, essa visão genérica, homogênea do indivíduo se quebra, não dá conta. A frase que se escuta nas escolas: os alunos são Outros. A mesma frase que se repete nos gestores das políticas, nas intervenções nas favelas, nas ruas, nos campos (...). Começamos a ver coletivos sociais, étnicos, raciais, de gênero, campos, periferias, trabalhadores, desempregados... As políticas e as teorias pedagógicas, o trabalho docente e educativo são obrigados a mudar as formas de ver os grupos sociais. Coletivos que vêm reeducando essa visão genérica, esse individualismo social e pedagógico. As teorias pedagógicas reeducadas pelos coletivos em movimento.