A dimensão dos vínculos comunitários na relação professor-estudante: encontrar-se no território!

Como temos dialogado, a constituição de territórios educativos está intimamente ligada ao encontro da escola com as relações que os sujeitos estabelecem com seu espaço de vida, na rua, no bairro, na cidade ou no campo. É a partir dessas vivências que cada um de nós vai se construindo, criando suas identidades – que são, também, resultado dos lugares em que vivemos.
Atentar para essa perspectiva é essencial para desconstruir estereótipos e olhares preconceituosos sobre os sujeitos que estão nas escolas, pois as vivências territoriais são permeadas pela cultura e se refletem em nossa comunicação, estética, atitudes e valores.
Quando os gestores, professores e demais educadores não reconhecem as dimensões da vida que se constroem nos contextos de vivência de cada indivíduo, a relação com o estudante fica prejudicada, na medida em que muitas vezes ele é visto como um ser desprovido de cultura, saberes e valores. Em contrapartida, quando se conhece o território de vida do estudante, a partir do exercício de alteridade e respeitando o lugar de fala e de vida dele, são descortinadas tramas e enredos experienciados por esses sujeitos em seus territórios.

Emerge, assim, um sentido mais humano na relação professor-estudante, que abre caminho para a qualificação dos processos educativos de ensino e aprendizagem e a consequente permanência do estudante na escola. Essa premissa é muito importante, pois, como observa a educadora e pesquisadora Inês Teixeira (2007), o coração da docência está na relação professor-estudante.
Essa premissa nos parece evidente quando focalizamos a atuação de educadores sociais, agentes culturais, oficineiros, entre outros, que atuam em muitas escolas públicas brasileiras. Percebemos que esses educadores geralmente estabelecem relações profícuas, de bastante estreitamento, com as crianças, adolescentes e jovens. Acreditamos que esses vínculos não se dão apenas pela forma do trabalho e/ou dos conteúdos desenvolvidos, que se distanciam do comumente observado nas escolas; mas, sim, por serem relações que se edificam no compartilhamento de vivências, linguagens e valores.
É comum que esses educadores vivam nos mesmos territórios que os estudantes, o que propicia vê-los como sujeitos socioculturais, com vida, corpo, histórias, como explicam Dayrell, Carvalho e Geber (2012):
É importante destacar que não necessariamente é preciso viver no mesmo território dos estudantes para estreitar a relação ou estabelecer encontros profícuos com eles. Também é possível que um professor de disciplina regular formado na universidade construa vínculos próximos com os estudantes. O elemento fundamental é a postura de alteridade perante o outro, ou seja, colocar-se no lugar do estudante, buscando conhecer as dinâmicas culturais e sociais nas quais ele está envolvido.
Observamos os dizeres de uma estudante de escola pública sobre sua relação com um professor de História e a fala de uma educadora social da mesma escola sobre a relação com os estudantes.
O ano passado ‘tinha’ um professor lá que ia dar aula pra mim, ele chegava na sala já mandando eu sair. Só ele chegar na turma, falava: sai da minha sala, e eu já tinha que sair. O ano passado eu discutia com um monte de professor. Eu conversava mesmo, eu tomei bomba em História. Se tomar bomba em uma matéria na oitava série, você toma bomba em tudo. Ele mandava ‘eu’ embora todo dia, aí eu ficava aqui sentada esperando a aula dele passar.
Tipo... o apoio que eles encontram não encontram na família, eles encontram em nós. A gente passa na rua... Nossa! (com efusão) A gente vê a escola inteira. Aí fala: “Ei professor!” É um apoio mesmo, uma amizade que a gente tem com os meninos, aí rola confiança na gente. Entendeu? Eu acho que a confiança é maior quando é do mesmo bairro, porque outros educadores não têm esse negócio de sair fim de semana e encontrar com aquele menino.
As falas apresentadas demarcam uma diferença notória na relação de um educador que parece não conhecer o território de vida da estudante ou não considera seus vínculos familiares e suas condições sociais nas práticas educativas e na relação que estabelece com ela. Nesse caso, percebe-se que a ausência de vínculo e diálogo pode ter levado à desmotivação da estudante e do próprio professor, diante dos desafios complexos que se apresentam para o desenvolvimento das aulas. Vale lembrar que a desmotivação é um dos motivos de baixa frequência mais registrados pelos gestores que acompanham os(as) beneficiários(as) do PBF. Ao mesmo tempo, esse caso nos mostra como essa “desmotivação” pode não ser o problema em si, mas reflexo e consequência de outros fatores.
Por outro lado, os educadores sociais reconhecem a importância de estar-se atento às dinâmicas que conformam o território de vida dos estudantes, o que compõe, entre outros elementos, os processos educativos desenvolvidos por esses educadores nas escolas. Outro elemento que chama a atenção é que os estudantes compartilham experiências com esses educadores em momentos não escolarizados, demonstrando que o território educativo vai além dos muros da escola e que a relação entre professor e estudante pode ser constituída também em outros espaços que não o escolar.
Os educadores e as escolas que têm abarcado a dimensão do território nas relações e nos processos educativos interrogam modelos e concepções de docência arraigados no interior das escolas que não se conectam com as infâncias e juventudes contemporâneas. Logo, ao se abrirem para o território, esses educadores têm conferido aos estudantes o direito a se expressarem, a serem crianças, adolescentes, jovens. As práticas docentes desses educadores têm gerado um ofício carregado “de construção social, cultural e política que está amassada com materiais, com interesses que extrapolam a escola”. (ARROYO, 2000, p. 35)
Assim, os processos educativos escolares, quando imbricados às experiências territoriais, inserem a docência em uma complexa trama de relações que se processam em seu entorno. Essas relações são elementos essenciais para que o ofício de mestre determine seu lugar social e para quem “este aprendizado só acontece em uma matriz social, cultural, no convívio com determinações simbólicas, rituais, celebrações, gestos” (ARROYO, 2000, p. 54).
Nessa perspectiva, a escola é impelida a redesenhar seus projetos pedagógicos, uma vez que se encontra frente à necessidade e importância da humanização dos espaços educativos. Isso, sobretudo, quando dialoga com estudantes que vivem em territórios marcados pela pobreza, como muitos dos beneficiários do Programa Bolsa Família.
A chegada dos educandos com vidas tão precarizadas às escolas obriga a docência a repor essas bases do viver com a devida centralidade nos processos de aprender, de formação e desenvolvimento humano. O direito à educação, ao conhecimento, à cultura, está atrelado às formas de viver nas tramas do presente.
Portanto, abrir-se para o território influi diretamente na construção da relação professor-estudante, na medida em que significa também compartilhar linguagens, modos de ser e vivências. Dimensões que humanizam a docência, oportunizando às crianças, adolescentes e jovens uma experiência escolar mais próxima de suas aspirações e realidades.