UNIDADE 2

O território educativo entre vínculos comunitários e as relações de poder: conhecendo possibilidades educativas!

 

Como vimos, a escola articular ações educativas, em seu entorno e na comunidade, é de potencial importância para garantir uma educação mais contextualizada com as experiências sociais dos sujeitos.

Assim, lançar o olhar para alguns processos que atravessam os territórios que se dispõem no entorno escolar nos permite entender os movimentos humanos que nele se realizam e que podem ser preciosos para pautar ações pedagógicas desenvolvidas pela escola. Entre esses processos, destacam-se os vínculos comunitários estabelecidos pelos sujeitos que ali vivem, bem como as relações de poder e disputa que também são inerentes a qualquer território. Reconhecendo esses processos e o modo como se estabelecem essas relações, a escola pode planejar e desenvolver ações mais efetivas na comunidade em que se insere.

Ao centralizarmos os vínculos comunitários, é importante trazer a concepção de Andrade (1995), quando reflete que a concepção de território pode conceber nas pessoas que nele habitam uma consciência de participação que pode provocar um sentido de territorialidade, o qual,  pensado de forma subjetiva, resulta numa tomada de consciência e confraternização entre seus habitantes.

Observemos, nessa concepção, o relato de uma educadora que esteve à frente de um projeto desenvolvido numa escola pública de Belo Horizonte - MG, caracterizada pelo estreitamento da relação escola-comunidade-território.

Na exposição, a educadora menciona uma ação que a escola desenvolveu no bairro com o objetivo de solucionar o aumento do acúmulo de lixo nas ruas. Para tanto, a escola desenvolveu projetos que culminaram em um mutirão de limpeza realizado no bairro que envolveu grande parte da comunidade. Além disso, concomitantemente, houve um processo de conscientização sobre a questão do lixo, a partir da produção de um jornal impresso produzido por estudantes para circulação entre os moradores do bairro.


Aqui é um bairro muito unido; então, quando tem algum problema, a gente se junta pra resolver as questões. Por exemplo, a questão do lixo perto do posto de saúde, a comunidade inteira se envolveu, a semana inteira fazendo atividade, foi aquela coisa.

Fala de uma professora da Rede Municipal de Belo Horizonte - MG
Lixo se acumula nos passeios tomando o espaço dos pedestres

Percorrendo trechos das ruas mais movimentadas do bairro Alto Vera Cruz, percebemos a quantidade de lixo espalhado nas calçadas; um dos passeios mais tomados pelo lixo fica em frente ao Centro Cultural, na rua Padre Julio Maria; além das ruas Desembargador Bráulio, Padre Feijó, Padre Café, Fernão Dias, Tebas e Leopoldo Gomes.

Observamos que a população joga bastante lixo nos passeios, atrapalhando a passagem, além de deixar o lixo espalhado e fora de sacos plásticos. Existem placas proibindo o acúmulo de lixo em alguns pontos, mas os moradores não entendem o aviso e continuam a sujar o local.

O correto para a nossa comunidade é que todos tivessem como depositar o lixo em lixeiras. A moradora do bairro, Sônia Maria, diz ficar muito triste ao ver que o bairro onde ela mora há mais de 10 anos está cheio de lixo espalhado pelas ruas. "Os problemas com o lixo também são sentidos na pele. A quantidade de mosquitos que fica rodeando os lixos, além do mau cheiro, é horrível."

Outro problema grave é quando chove. Se o lixo não está nas lixeiras, ele pode ser arrastado entupindo bueiros. A população que é vítima de temporais, muitas vezes, contribui para que o problema se agrave ao jogar lixo na rua. 

As vias públicas precisam ficar limpas. Para isso, é necessário que os moradores colaborem com a limpeza do bairro, não jogando lixo nas ruas e nas calçadas.  

Figura 3: Rua Desembargador Bráulio. Fonte: Caravalho (2014).

Essa experiência nos revela como a escola pode estar ligada às vivências que se dão em seu entorno. Quando observamos a fala da professora, percebemos como o lugar em que a escola se situa é marcado pelo envolvimento da comunidade em ações coletivas que visam à melhoria do bairro. Além disso, demonstra que a escola se preocupa com os problemas que acontecem naquele local, integrando-os aos processos educativos, como foi o caso da questão do lixo relatado pela professora.

Por conseguinte, a escola, ao se colocar como instituição indutora e fortalecedora de movimentos no bairro, se conecta com a comunidade em ações coletivas que são parte do cotidiano do território, assim como vimos. Emerge, assim, uma relação dialógica entre a escola e o seu entorno.

Podemos observar também que a escola pode se envolver em um processo de troca com a comunidade, para que, juntos, possam identificar  problemas, avaliar possíveis soluções e, coletivamente, desenvolver ações de melhoria do território, potencializando iniciativas já existentes que muito podem ensinar à escola.

Ainda sobre a importância dos vínculos comunitários na construção de territórios educativos, observemos a fala de um estudante sobre como ele vê a relação do bairro com a escola.


Os dois tão juntos né [o bairro e a escola]. Porque... os meus pais já estudaram aqui já, onde eu nasci os meus pais já estudaram aqui já. É importante essa escola aqui, porque tanta escola que tem aqui em volta. Eu gostei dessa escola para estudar. É perto de casa também. E eu gosto daqui dessa escola. Ainda mais que esse é o meu último ano. Eu nem sei como eu vou segurar quando eu sair dessa escola.


Relato de um estudante de uma escola pública de Belo Horizonte – MG

É interessante perceber como esse estudante reconhece a relação estreita entre o bairro e a escola quando afirma que os dois estão juntos, demonstrando, em sua perspectiva de morador daquele território, o quanto a escola também é parte de suas vivências. Podemos refletir, ainda, que, ao dizer que seus pais ali estudaram, o educando evidencia um sentimento de pertencimento ao território, relacionando suas raízes familiares com sua experiência escolar.

Ao encontro dessa perspectiva, é importante percebermos como a imagem do bairro, para crianças, adolescentes e jovens, guarda essa relação de vínculo, intimidade e efetivação do espaço enquanto palco de experiências e relações sociais. Percebemos, assim, que, nessas interações, a escola passa a agregar um novo sentido, mais intimamente ligado às experiências dos sujeitos, ao se estabelecer também como lugar de afirmação de identidades, reconhecendo-se como parte integrante do território. Convidamos o leitor a assistir ao vídeo do portal do Instituto Elos, em que a ideia de pertencer a algum lugar, querer construir relações e aprofundar laços é produto que pode nos tornar sujeitos de nossa própria história. 

Fonte: Instituto Elos (2017).