Após reconhecermos que existe uma concepção ainda colonial sobre esses sujeitos, bem como preconceitos e imaginários sociais diversos, inclusive entre educadores e gestores escolares, é mais do que necessário buscarmos formas de reverter esse quadro. Acreditamos que alcançar esses objetivos através de processos educativos que contemplem as realidade desses sujeitos é nosso principal papel.

Dentro dessa perspectiva, lançamos o convite da leitura de um artigo que aborda as responsabilidades que o PBF teria nas relações periféricas em que há beneficiários(as) desse Programa.

Sobre isso, Miguel Arroyo (2016), ao discorrer sobre o preconceito relativo à pobreza,  nos chama a atenção para as perversidades no campo pedagógico, no qual se considera que crianças, adolescentes e  jovens que vivem em contexto de pobreza levam para as escolas carências morais, ou têm famílias “desestruturadas”, ou, ainda, são desprovidos de saber. Ancorados em uma perspectiva preconceituosa e excludente, para muitos gestores e educadores escolares,

Essas são carências de conhecimentos, de valores, de hábitos de estudo, de disciplina, de moralidade. Desse modo, reforça-se uma concepção moralista sobre os pobres que se encontra há muito tempo em nossa cultura política e pedagógica: a pobreza moral dos pobres produzindo a sua pobreza material.


ARROYO, 2016, p. 8

Nos deparamos assim com uma responsabilidade importante entre gestores escolares e educadores, que é a necessidade de considerar o contexto de vivência dos estudantes nas práticas pedagógicas, dar centralidade às consequências da carência material nos processos de ensinar e aprender e, com isso, não reduzir a pobreza a uma questão moral, de falta de valores. É nesse sentido que o PBF tem como objetivo a autonomia e a independência de seu público, para que, desse modo, sejam quebrados tabus para a construção de uma sociedade mais justa.

Estudos mostram que a maioria dos países, ricos ou pobres, têm políticas de assistência social para atender às parcelas de populações que ainda não encontram um lugar ao sol.

Como podemos colaborar para que essas políticas de assistência social possam de fato ser efetivadas? Pensamos que essa perspectiva exige a elaboração de projetos dentro das escolas que ultrapassem a assimilação de conteúdos pelos sujeitos, mas considerem suas realidades e suas demandas reais de vivência social, de transformação, fazendo disso elementos capazes de levar crianças, adolescentes e jovens ao aprendizado, na medida em que os conteúdos escolares se atrelam ao universo cultural dos sujeitos, dialogando com suas tramas de vida.

Nessa perspectiva, convidamos você a conhecer e a navegar no módulo introdutório do Curso Educação, Pobreza e desigualdade, elaborado pelo autor Miguel Arroyo, que escreve de forma didática e elucidativa sobre as desigualdades sociais existentes no Brasil.

A autora decolonial Catherine Walsh (2013) nos traz importantes diálogos ao pensar formas de fissurar essa lógica colonizadora presente nas escolas, propondo que aprendamos com experiências de resistências diversas, as quais têm mudado muitas realidades, o que ela chama de pedagogias decoloniaisIsso, em nosso contexto, é muito importante, pois nos dá esperanças de resistir aos processos de colonialidade, conhecendo e propondo práticas contextualizadas em movimentos de resistência, práticas criativas, que transgridem a ordem colonial e, portanto, se afirmam como pedagogias decoloniais.

Essas pedagogias são:

[...] metodologias produzidas em contextos de luta, marginalização, resistência e que Adolfo Albán tem chamado de ‘re-existência’; pedagogias como práticas insurgentes que fraturam a modernidade / colonialidade e tornam possível outras maneiras de ser, estar, pensar, saber, sentir, existir e viver-com.

WALSH, 2013, p. 19

Como incluir nos currículos escolares os cotidianos dos estudantes e suas culturas? Uma proposta significativa seria a inclusão, na dimensão do currículo que se desenvolve na escola e nos processos educativos, daquilo que é próprio da cultura das pessoas que ali estão, trazer para a escola suas resistências cotidianas. É preciso construir um currículo embasado nessas experiências, na vida, indo além das prescrições curriculares, embora elas ainda sejam importantes. Ademais, pensar em pedagogias decoloniais exige o mapeamento e o reconhecimento de movimentos emergentes que se processam nos territórios e são protagonizados por sujeitos historicamente subalternizados diante dos processos de colonialidade do saber.

Nessa perspectiva, convidamos você para a leitura do link abaixo sobre como o papel dos sistemas educativos no reforço destas “fronteiras coloniais” é equacionado e como são apontados alguns contributos pedagógicos, no quadro da educação global, para favorecer um processo de “descolonização” das relações sociais e educativas.

O autor Boaventura de Sousa Santos (2007), ao abordar a questão da produção do conhecimento, denuncia a arbitrariedade dos processos de classificação e hierarquização de saberes pelo pensamento abissal, produto da colonização. Para além do anúncio e da denúncia desses processos tão perversos de perpetuação do colonialismo, o autor ainda sugere a substituição da hierarquia de saberes pela Ecologia de Saberes.

Boaventura de Sousa Santos (2007) afirma que a ideia de Ecologia de Saberes sedimenta-se na proposta de valorização de um pensamento que não seja único, uma verdade que não seja única, e, assim, busca uma epistemologia que seja diversa, busca formas plurais de pensar o mundo, de organizar ideias. Perspectiva essa que não autoriza a emergência de uma cultura única ou de um único saber, mas prevê a interação entre os saberes. Isso pois “Em todo o mundo, não só existem diversas formas de conhecimento da matéria, sociedade, vida e espírito, como também muitos e diversos conceitos sobre o que conta como conhecimento e os critérios que podem ser usados para validá‑lo” (SANTOS, 2007, p. 24).

Fonte: TED (2009).

É importante salientar que a existência da ciência moderna não é deslegitimada pela Ecologia de Saberes, mas ela faz parte desta, sendo necessário buscar movimentos que promovam a interação entre os conhecimentos científicos e os não científicos. Premissa importante para que grupos historicamente marginalizados também tenham acesso ao conhecimento científico, mundialmente legitimado. Nessa premissa, busca-se, assim, uma justiça cognitiva, uma vez que as intervenções no mundo real, apropriadas pela ciência, “tendem a ser as que servem os grupos sociais que têm maior acesso a este conhecimento” (SANTOS, 2007, p. 25).

Ao transportarmos essa ideia para a realidade da escola pública brasileira, mais especificamente para os estudantes que vivem em situação de pobreza, como os(as) estudantes beneficiários(as) do PBF, entendemos a necessidade de valorização dos saberes desses sujeitos, que, em encontro com os saberes escolares na perspectiva da Ecologia de Saberes, pode criar pedagogias desestabilizadoras, radicais e, ao mesmo tempo, possíveis. Nesse sentido, os saberes da experiência interrogam os saberes escolares e deslocam a escola, fazendo-a mover-se pela emancipação dos sujeitos que dela fazem parte.