Sendo assim, diante do exposto, pensemos nos estudantes beneficiários(as) do PBF como sujeitos repletos de saberes, adquiridos também na luta pela sobrevivência, na convivência com a pobreza. Para esses sujeitos, a escola pode ser um “braço” para garantir sua emancipação social, mas não ao impor seus conhecimentos como uma única saída, como se a chave da mudança social estivesse na assimilação desses conhecimentos, reduzindo o papel da educação escolar a essa mera função. Assim,
a diversidade de grupos sociais presentes na escola passa a ser identificada como deficiência escolar, justificada pela condição social e cultural dos sujeitos, com a “culpa” do revés depositada na pobreza, na desestruturação da família, na falta de estímulo do meio cultural em que esses(as) alunos(as) vivem. E esse insucesso acaba tendo rosto: crianças e jovens que fracassam na escola, em sua grande maioria, são pobres, negros(as), índios(as), camponeses(as), moradores(as) de regiões menos favorecidas.
Essa relação que a escola estabelece com os saberes acadêmicos, que são pautados pela cultura etnocêntrica, é permeada de tensões e conflitos. Isso pois, de acordo com nossas discussões, a diversidade cultural historicamente foi deixada de lado pelas propostas políticas e práticas educativas que se pautaram no ideal homogeneizador de nossa sociedade. No entanto, muitos sujeitos que hoje estão nas escolas questionam esse modelo, exigindo o desenvolvimento de novas pedagogias. É o caso, por exemplo, dos(as) estudantes beneficiários(as) do bolsa família, que, em espaços e tempos de resistência e reprodução da pobreza (LEITE, 2016), ao se presentificar na escola, pautam projetos educativos que se conectem com seus saberes, com suas histórias de vida, com seus contextos culturais e territoriais.
Desse modo, convidamos os(as) leitores(as) a conhecer o link do módulo Escola: espaços e tempos de reprodução e resistências da pobreza, elaborado pela autora Lúcia Helena Alvarez Leite.
A partir da leitura, podemos vislumbrar que há uma necessidade de movimentos de resistência, protagonizados pela diversidade de sujeitos que hoje frequentam as escolas e interrogam muitas de suas práticas quando elas são pautadas pela meritocracia e pela imposição de um saber único, representado pelos conhecimentos acadêmicos dispostos no currículo escolar.
Como temos debatido, é necessário pensarmos no conceito de educação de maneira mais ampla, abarcando os saberes da experiência cotidiana nos processos educativos e escolares. Essa compreensão tem sido, por um lado, influenciada pela legislação educacional, que garante o direito de acesso à escola de forma universal, ou seja, para todas as crianças, adolescentes e jovens brasileiros. Por outro lado, essa compreensão de educação tem sido fortalecida, também, pelas pautas e pressões dos movimentos sociais, elementos que têm levado ao acesso e à permanência cada vez maior de estudantes das camadas populares, como os(as) beneficiários(as) do PBF, nas escolas públicas do País.

Miguel Arroyo (2012) nos convida a pensar que esses sujeitos que hoje estão nas escolas com suas presenças afirmadas trazem consigo uma bagagem de conhecimentos, a qual exige da escola a ressignificação do lugar do conhecimento a partir das demandas de cada criança ou jovem matriculado. O autor nos convida ainda a olhar o estudante como um sujeito sociocultural, que carrega as marcas de sua história, para então pensarmos em processos pedagógicos que possibilitem a transformação da realidade desses estudantes.
Quando se ignora a precarização do viver de educadores e educandos, se cai em exigências descabidas ou se responsabiliza uns e outros por fracasso em avaliações de resultados. As vítimas desse precarizado sobreviver ainda são vitimadas nos processos escolares e responsabilizados pelo desemprego e pobreza.
O autor também nos provoca a pensarmos e articularmos uma pedagogia do movimento. Ao revisitar a literatura popular da década de 1960 no Brasil, Arroyo nos revela que “as experiências não-formais de educação, mais próximas da dinâmica popular, tiveram grande sensibilidade para captar a presença dos sujeitos” (ARROYO, 2003, p. 34).
A ação educativa, nesse sentido, deve estar conectada com a potencialidade dos saberes, a qual é marcada pela presença de sujeitos tão diversos na escola. Colocar essa diversidade de saberes em diálogo é fazer valer o princípio da Ecologia de Saberes e, assim, permitir a insurgência de saberes “Outros”, que são potentes para a transformação social dos sujeitos que fazem parte da escola.