Vejamos os duelos de MC’s, por exemplo, no movimento hip-hop, que têm crescido nos grandes centros urbanos: jovens, em disputas e improvisações sonorizadas e manifestadas com suas próprias vozes, com seus corpos e com seus estilos de vida, promovem a cultura do hip-hop nas cidades. Ao apropriarem-se do espaço urbano, eles levam a sociedade a conviver com outras manifestações culturais, com propostas de sociabilidade que partem das vivências desses jovens, de seus ideais e de suas lutas. No exercício da improvisação, esses jovens ensinam, ao ecoar pautas sociais, formas de ver e de viver o mundo.

Dessa forma, convidamos os(as) leitores(as) a ler o artigo abaixo de Paulo Carrano sobre como as cidades podem se caracterizar como territórios favorecidos da atuação social da juventude.

Em contato com os espaços da cidade, os jovens também se inserem em uma complexa trama de relações sociais que se dispõem sobre os territórios de que se apropriam. Não só na cidade, mas na diversidade de territórios que compõem o País, no campo, nos quilombos, nas florestas, nas aldeias, nas populações ribeirinhas, os sujeitos se movimentam e se articulam de acordo com a cultura a que são educados. Desse modo, os sujeitos evidenciam saberes que se vinculam a cada local e tradição de diferentes povos. Cabe à escola se aproximar desses saberes no sentido de ressignificar as suas práticas.

No campo brasileiro, por exemplo, há uma infinidade de movimentos que são parte inerente das pessoas que vivem nesse território e que, portanto, são carregados de saberes. A tradição oral, viva nas narrativas dos povos tradicionais do campo, a relação de respeito com a terra, as festas e expressões culturais, como os congados, quadrilhas e outras manifestações religiosas, demarcam territórios permeados de saberes da experiência, de saberes populares, dos quais as escolas precisam se aproximar.

Desse modo, convidamos os(as) leitores(as) a refletir sobre os saberes construídos na luta pela terra e pela preservação da cultura e dos saberes tradicionais do campo, protagonizados pelos movimentos sociais e por famílias diversas que compõem esse movimento. Nas diversas reuniões, nas jornadas, nas manifestações, nas místicas, esses movimentos mostram que uma outra educação, que traga de seus sujeitos uma bagagem de conhecimentos, é possível, pautada nos indivíduos, nas ações coletivas e em demandas reais da vida em sociedade. Esses movimentos mostram que há formas de cuidar e de educar que ultrapassam os padrões sociais estabelecidos e podem ser potentes para fissurar as dinâmicas de colonialidade que ainda agem com força em determinados territórios.

Quando aceitamos o desafio de construir uma escola mais conectada com a realidade dos sujeitos que nela se presentificam, buscando uma educação pautada pela Ecologia de Saberes, é necessário estarmos atentos às demandas desses movimentos, criando espaços e tempos educativos que considerem a especificidade do território. Ainda no que tange ao campo brasileiro, a experiência das Escolas Família Agrícola (EFA) nos revela que é possível construir uma escola que seja ligada à realidade do território onde está inserida. Desse modo, convidamos os(as) leitores(as) a assistir ao vídeo para aprofundar os conhecimentos sobre a Escola Agrícola de Porto Nacional, como exemplo de uma educação conectada com a região onde está inserida.

Fonte: Idearte Audiovisual (2016).

Você, leitor e leitora, sabe qual foi a primeira experiência de EFA existente no Brasil? Essas escolas do campo têm como característica principal o funcionamento na lógica da alternância, isto é, durante parte do mês os alunos estudam em regime de tempo integral, com aulas teóricas e práticas, muitas vezes residindo na própria escola; em outra parte do mês, os conhecimentos adquiridos na escola são aplicados em suas comunidades, com as famílias e com monitores que acompanham esse trabalho de acordo com a demanda e a necessidade de cada território. Além disso, as EFAs têm quatro eixos de ação que compõem seus projetos pedagógicos, as associações mantenedoras da EFA, a Pedagogia da Alternância, a formação integral do aluno e o desenvolvimento local sustentável. Nesse sentido, há uma interação constante entre os saberes acadêmicos e os saberes da experiência.

E quanto aos povos indígenas? Não podemos deixar de mencionar esses povos quando dialogamos acerca dos saberes tradicionais e dos saberes populares. Os povos indígenas, desde que os europeus aqui chegaram, têm tido suas culturas e saberes dizimados. No entanto, recentemente, políticas públicas têm garantido o direito desses povos e auxiliado na luta pela preservação da cultura e da memória indígena, resgatando os saberes dos nossos antepassados e ancestrais. Podemos citar, por exemplo, a Lei n.º 11.645/2008que diz respeito à obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena nos currículos escolares que, de certa maneira, pressiona as escolas a inserirem essa pauta em seus currículos.

Para os indígenas, o saber está na tradição e deve ser repassado ao longo do tempo pelos mais velhos da comunidade. A tradição do artesanato de barro do povo indígena Xacriabá pode nos dar importantes ensinamentos sobre essa relação. Isso pois, para os povos indígenas, não há como pensar educação e saúde sem o seu território originário. A manutenção da cultura do artesanato entre os Xacriabá ainda pode auxiliar no combate e superação de imaginários sociais preconceituosos, edificados em relação aos povos indígenas ao longo da história. Preconceitos esses que, em grande parte, foram responsáveis pela aniquilação de muitos de seus saberes. Assim sendo, perpetuar a tradição do artesanato, mais que um saber, se torna uma resistência para os povos indígenas Xacriabá.

E as experiências da educação indígena? Essas vão para além do repasse de geração em geração de saberes tradicionais, como no artesanato dos Xacriabás, que têm muito a nos ensinar também no que concerne à educação escolar. A Constituição de 1988 garantiu para os povos indígenas a existência de escolas diferenciadas, bilíngues e interculturais. Nessa época, de acordo com Leite (2016), muitas escolas indígenas diferenciadas surgiram; no entanto, elas enfrentam, ainda hoje, dificuldades burocráticas nos sistemas de ensino a que estão vinculadas para se manterem de pé.

As escolas indígenas diferenciadas funcionam movidas pelos problemas da comunidade, caracterizando, desse modo, uma educação diferenciada, a qual se desenvolve a partir do diálogo permanente sobre as necessidades de seu povo, de seu território. Quanto às decisões pedagógicas, estas são tomadas de forma coletiva, envolvendo educadores e estudantes, sendo, assim, uma gestão escolar compartilhada. Outra característica importante das escolas indígenas diferenciadas é que não há concurso para os professores, mas eles são escolhidos entre as pessoas da comunidade, de acordo com o compromisso assumido com seu povo e sua cultura.

O professor tem que ser um defensor e um conhecedor das dificuldades da comunidade; ele tem que saber respeitar o pensamento e o direito do outro, conhecer seus direitos e deveres, construir ideias coletivas para que não tenha força contrária. Mas tudo isso depende do seu compromisso e da sua formação; se o seu compromisso e a sua formação for ruim, ele será um professor de cabeça e coração fraco.

Comentário de um Professor Pataxó

Fonte: Poleducufmg (2013).

Compreendemos que a experiência das escolas indígenas diferenciadas tem muito a nos ensinar, na medida em que, essencialmente, produzem uma Ecologia de Saberes, ao associarem a educação escolar à resistência, à tradição e aos saberes de povos tradicionais, bem como ao mudar tempos, espaços e currículos escolares em função dos sujeitos. A partir das discussões expostas até aqui, podemos, de alguma forma, lançar novos olhares para a existência das experiências com as quais dialogamos. Podemos, ainda, refletir sobre como a construção de uma escola e de uma educação, na qual a diversidade esteja presente e seja efetivamente um elemento potente, está intimamente ligada ao questionamento de um modelo de sociedade etnocêntrica. Os saberes tradicionais, os saberes locais e a cultura popular se fortalecem na medida em que essas educações abarcam também a dimensão política, a dimensão da emancipação para aqueles que, além de compreender o mundo, querem transformá-lo com seus saberes.