Miguel Arroyo (2003), ao trazer Paulo Freire para essa conversa, nos alerta para a necessidade de estarmos sempre atentos aos movimentos sociais e culturais dos sujeitos, bem como para suas práticas de liberdade e de recuperação da humanidade roubada. Nessa conversa com Freire, ele nos ensina que:
Paulo Freire construiu sua reflexão e prática educativa, referida sempre aos movimentos de jovens, de trabalhadores e camponeses dos anos 60-70, aos movimentos culturais e de libertação dos povos da África e da América Latina. O mais importante na pedagogia da prática da liberdade e do oprimido não é que ela desvia o foco da atenção pedagógica deste para aquele método, mas dos objetos e métodos, dos conteúdos e das instituições para os sujeitos. Paulo não inventa metodologias para educar os adultos camponeses ou trabalhadores nem os oprimidos ou excluídos, mas nos reeduca na sensibilidade pedagógica para captar os oprimidos e excluídos como sujeitos de educação, de construção de saberes, conhecimentos, valores e cultura. Sujeitos sociais, culturais, pedagógicos em aprendizados, em formação.
Nessa perspectiva e no tocante ao que conversamos sobre a Ecologia de Saberes, quando pensamos e projetamos um trabalho pedagógico que tenha como intenção colocar em diálogo os saberes da experiência com os saberes escolares, não há uma única forma ou um único método. Mas é importante, nesse processo, que as experiências e narrativas de vida sejam compartilhadas pelos sujeitos, que a escola resgate os saberes tradicionais e a memória de sua comunidade, tendo em vista que esta é parte essencial para a reprodução da vida em sociedade.
Quando a escola põe em prática essa perspectiva, ela abre caminho para a construção de conhecimentos que, para os sujeitos envolvidos, se configuram como:
Verdadeiros presentes, relicários feitos de ar, lembranças, emoções; objetos para encantar o outro e ensinar ao outro, abrandar o outro, comprometer o outro com seu passado, sua gente e seu tempo.
Nesse processo de aproximação entre os saberes da experiência com os saberes escolares, é essencial que a escola busque estabelecer diálogo com a comunidade e com o território que a cerca. Esse diálogo vai permitir à escola conhecer mais de perto a cultura e as condições sociais de vivência de seus estudantes, articulando também com saberes de fora da escola, para além de seus muros. Isso, na medida em que,
Os muros, quase sempre altos e bem reforçados, revelam a (falta de) relação que a escola estabelece com o bairro. Entrar na escola significa, para muitas crianças e muitos(as) jovens, entrar em um outro mundo, com tempos, lógicas e regras bastante diferentes do que estão acostumados(as) a viver, a conviver; com hierarquias, horários rígidos, proibições e castigos; onde o celular, o boné, o grafite e a música são censurados; e onde dançar, rir, correr, brincar é proibido.
Destacamos com isso que, quando propomos a articulação dos saberes escolares com os saberes da experiência, na perspectiva da Ecologia de Saberes, não restringimos e nem diminuímos a importância da escola na formação dos sujeitos e na construção de conhecimentos.
A abertura da escola para a entrada de novos saberes, para a conexão com o território, enriquece o saber escolar, pois os processos educativos não se restringem a este, pelo contrário, o transbordam. Encontrar-se com o território e conectar-se com a realidade vivida pelos estudantes, por suas famílias, é, principalmente, abrir caminhos para o rompimento de uma cultura escolar que concebe o saber de forma fragmentada e desconectada com a realidade dos estudantes.
A partir dessa concepção de saberes, da ruptura dos saberes escolares e da bagagem de conhecimentos que os estudantes trazem de suas vivências, convidamos os(as) leitores(as) a ler o artigo da autora Isa Maria F. R. Guará.
Assim, nessa articulação de saberes, busca-se o encontro da cultura escolar com a cultura popular, bem como com os saberes tradicionais. Os conhecimentos mobilizados pela escola, nessa perspectiva, são produzidos nas práticas sociais e culturais dos sujeitos, atreladas as suas formas de viver e experimentar o mundo. Isso pois “existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar” (FREIRE, 2005).
É necessário, nesse sentido, revertermos nosso olhar para os sujeitos diversos que pronunciam o mundo, através de seus saberes locais e da cultura popular, vislumbrando como esses elementos podem enriquecer os conhecimentos escolares. Além disso, é necessário olhar para os territórios de periferia, atentos a captar suas riquezas, os movimentos humanos e, portanto, educativos que ali se processam. É importante olharmos para esses territórios não apenas pelas lentes da falta ou da carência, mas sim de suas potencialidades. No campo, na cidade, nas aldeias, nos quilombos e nas florestas, há muitos saberes com os quais a escola precisa se conectar e sujeitos que têm muito a ensinar.
Convidamos o leitor e a leitora a assistir ao vídeo Saberes Tradicionais e Ciência Moderna, que perpassa pelos saberes tradicionais e pelos saberes científicos.
Fonte: Canal Rosacruz AMORC-GLP (2017).