UNIDADE 3

Potências e interações entre saberes na cidade, no campo e nas aldeias

 

Nesta terceira unidade, temos como propósito, juntamente com os(as) leitores(as),  abraçarmos a perspectiva da Ecologia de Saberes, criando zonas de contato entre contextos sociais e culturais distintos. A escola, seus gestores, professores, funcionários, estudantes e toda a comunidade têm a ganhar com essa perspectiva, explorando caminhos diversos repletos de conhecimentos e muito mais conectados, plausíveis com a realidade.

Na associação dos conhecimentos populares e tradicionais se incluem, por exemplo, o saber das pessoas em relação às plantas e às ervas medicinais, bem como os saberes que se processam na construção de artesanatos e em manifestações culturais, como as das guardas de congado, da folia de reis, da quadrilha, do samba, da capoeira, do funk, entre outros.

Convidamos os(as) leitores(as) a se aproximar de uma experiência exitosa de cultura popular: a atividade do grupo cultural Meninas de Sinhá, iniciada em um bairro de periferia da região leste de Belo Horizonte (MG), mas que hoje ganhou o mundo. O grupo cultural remonta à década de 1980, quando um grupo de mulheres se uniram, tentando entender as carências e as angústias comuns da vida na comunidade. Assim, semanalmente, elas se encontravam no posto de saúde do bairro para compartilhar suas histórias e tramas da vida. Nesses encontros, o canto, a dança e as cantigas de roda eram elementos presentes e importantes, pois significavam resistência e a busca de um lugar melhor para se viver.

D. Valdete da Silva Cordeiro, a Menina de Sinhá

Dona Valdete da Silva Cordeiro, líder comunitária do bairro Alto Vera Cruz  situado na região leste de Belo Horizonte (MG)  e coordenadora do grupo cultural "Meninas de Sinhá", nos conta o que a estimulou a reunir outras mulheres. Primeiro, era para bater papo, depois para produzir artesanato e, hoje em dia, para fazer apresentações de música e dança. O grupo cultural "Meninas de Sinhá" foi criado em 1998 e é formado por 36 mulheres, na faixa etária de 39 a 93 anos que difundem e ajudam a preservar antigas cantigas de roda, cirandas e brincadeiras infantis. O grupo foi um dos ganhadores do prêmio Cultura Viva, do Ministério da Cultura, em dezembro de 2007, ficando com o primeiro lugar na categoria Grupo Informal. 


Dona Valdete nos conta que sua motivação para criar um grupo de mulheres no Alto Vera Cruz foi a preocupação com o bairro, que não tinha nada, nem água, nem luz. "Logo me tornei líder comunitária e, preocupada principalmente com as mulheres, comecei a apoiá-las", disse dona Valdete. Uma das medidas adotadas por dona Valdete, para fazer reivindicações no bairro, foi encenar uma peça teatral na rua para chamar atenção da comunidade.


Segundo ela, mulheres tomavam muitos remédios, especialmente antidepressivos. "Comecei a conversar com elas e descobri que não eram doente. O que elas precisavam era se conhecer e ter auto-estima. Cuidavam da família, mas não delas mesmas", concluiu Valdete da Silva. 

Fonte: Carvalho (2014).

Com o tempo, a cantoria de resistência dessas mulheres e o apoio mútuo entre elas foram se consolidando e se transformando em um grupo artístico cultural que atua na manutenção da memória e da cultura do bairro em que nasceu. O grupo se formou efetivamente como um grupo artístico em 1998. Atualmente, as Meninas de Sinhá se apresentam também em inúmeras escolas na cidade, cantando e contando sua história de resistência, ensinando que, na interação, na luta e na ação coletiva, muitos desafios podem ser superados. Essas mulheres nos revelam isso, pois, inclusive, venceram coletivamente, através da arte e da difusão da cultura popular, o adoecimento causado pelas vivências naquele território, projetando-se como artistas e educadoras populares.

Diante da experiência exitosa relatada acima, convidamos os(as) leitores(as) a assistir ao vídeo do documentário “Meninas de Sinhá”.

Fonte: Vicentefbk (2008).

As Meninas de Sinhá, atualmente, estão marcando presença não só nas escolas, mas também em diversos encontros culturais e artísticos que acontecem pelo mundo. Assim, o grupo tem quebrado a lógica homogeneizante da cultura e do saber, ao fazer soar a voz da resistência e da luta das periferias. As histórias, os mitos, os saberes e as lendas cantadas por elas enaltecem a memória e nos faz aprender com essa memória.

E, assim, o grupo Meninas de Sinhá, carregado de bagagens de conhecimentos e de experiências exitosas, demarca sua presença no mundo, com a originalidade de um grupo de mulheres periféricas, e rompe, em seus espaços de atuação, com a hegemonia de uma cultura e de um saber único. Ao entrar nas escolas para ensinar educadores e estudantes, elas mostram que todos podem educar, que todo saber é legítimo e, mais do que isso, evidenciam o lugar que a manifestação coletiva e a manutenção da cultura popular têm na emancipação dos sujeitos.

Dessa forma, convidamos os(as) leitores(as) a realizar uma leitura sobre a reportagem de repercussão internacional do grupo Meninas de Sinhá, quando estas participaram de um evento tradicional polonês.

A partir da discussão exposta até aqui, você, leitor e leitora, já consegue refletir sobre o fato de que nas grandes cidades, e não apenas nos bairros, podemos encontrar saberes tão potentes e ricos de significados. Ao transitarem pela cidade, os jovens também carregam bagagem de conhecimentos e expressam esses saberes em suas manifestações culturais, em encontros juvenis, na apropriação das praças, em rodas de capoeiras e em duelos de MC’s, que propagam a cultura do hip-hop pela cidade, com uma linguagem própria e um saber singular sobre o mundo. Paulo Carrano (1999), ao pensar acerca do jovem inserido na cidade, nos faz refletir sobre os saberes produzidos na circulação dos sujeitos no espaço urbano. O autor nos diz que os espaços de sociabilidade estão cada vez mais escassos, o que influencia diretamente nas relações que os jovens estabelecem na cidade e entre eles. Além disso, Carrano chama a atenção para o caráter amplamente educativo dessas relações estabelecidas pelos jovens nos espaços sociais da cidade.


A experiência ou não da vivência pública da rua orienta drasticamente o valor educativo das relações na cidade. As cidades não são educativas em abstrato. O potencial educativo de uma cidade corresponde tanto ao que se refere à oferta e à organização das estruturas sociais e culturais urbanas, como quanto à quantidade e à qualidade dos relacionamentos que os sujeitos estabelecem. A rua já foi mais amplamente representativa do encontro e da comunicação viva entre os sujeitos, expressão local de cultura e sociabilidade pública. Entretanto, em seu sentido dominante, a rua transformou-se em espaço de circulação programada e também fonte de insegurança coletiva.

CARRANO, 1999, p. 430