Por um Currículo Vivo: experiências e interações educativas entre sujeitos e territórios

Nesta unidade, convidamos o caro(a) gestor(a) escolar e educador(a) a conversar sobre a necessidade de pensarmos práticas pedagógicas que vão além do mero repasse dos conteúdos prescritos. Isto é, dialogaremos sobre a importância da participação dos estudantes nas ações da escola, desde o planejamento até a sua execução.
Veremos, por exemplo, que alterar uma atividade que estava planejada para determinado dia, em função de algum acontecimento importante, ou de alguma proposta feita por estudantes, pode ser muito proveitoso para o processo de aprendizagem, bem como para a construção de um conhecimento mais articulado com as experiências sociais e da comunidade escolar. E, como temos dialogado, a criança, o(a) adolescente e o(a) jovem, ao se sentir mais pertencente à escola, ao ter sua identidade respeitada, ao ser considerado(a) um sujeito sociocultural, tende a permanecer mais tempo nesse espaço, ou seja, a ter uma trajetória escolar mais longa.
Atentemos-nos para duas situações de interação entre educadores e estudantes, presentes na dissertação de mestrado da pesquisadora Luana Campos e Silva (2015):
Dudu: – Professora, como é que faz uma casa?
Antes que eu pudesse responder qualquer coisa, Aninha, sete anos, que estava sentada na frente dele, respondeu:
Aninha: – Pensa como pode ser uma casa. Como que você imagina uma casa? Aqui a professora sempre fala que a gente pode imaginar tudo, então sua casa não precisa ser igual a de ninguém. É que você é novo aqui, Dudu, mas você já acostuma.
SILVA, 2015, p. 113
Educandos: – Professor, temos uma proposta pra fazer. Acho que não vai ser bom pra você, mas pra gente é.
Coordenador: – Podem falar.
Educandos: – Como a escola está em greve e tá vindo pouca gente, gostaríamos de brincar.
Coordenador: – E por que vocês querem brincar e não querem fazer oficina?
Educandos: – Ah, todos gostam de brincar e, assim, os educadores não vão precisar repetir suas aulas pros outros colegas quando a greve acabar.
Assistente de coordenação: – Mas a oficina também é uma forma de divertir.
Educandos: – É que hoje a gente queria muito brincar.
Coordenador: – Então eu tenho uma contraproposta pra vocês. Vocês terão dez minutos para assumir a roda da tarde e apresentar esta proposta para os colegas. Se eles aceitarem, vocês irão pensar juntos uma proposta para apresentar para os educadores, e aí, sim, todos poderão brincar. Mas a roda será feita somente por vocês, educandos. Pode ser?
Educandos: – Sim.
Educandos: – Nós conversamos entre a gente e todo mundo decidiu que quer brincar. Então a gente queria propor que hoje tenha só brincadeira, e aí a gente promete se dedicar depois nas oficinas, a gente vai tomar cuidado pra não molhar o chão na hora de beber água, e, se isso acontecer, a gente vai secar. Pode ser assim?
Educadores: – Tudo bem, então, se vocês decidiram isso, está ok.
SILVA, 2015, p. 143-144

É importante destacar que as experiências relatadas ocorreram no âmbito de escolas públicas voltadas para a classe popular. Ao refletir sobre tais experiências, é fácil perceber a sensibilidade dos gestores e dos educadores para a demanda apresentada pelos estudantes. No primeiro caso, a intervenção da estudante demonstrou que é uma prática cotidiana da professora valorizar a participação das crianças pela imaginação, elemento essencial na educação para as infâncias. Já no segundo caso, os estudantes decidiram o planejamento do dia escolar, mediados por gestores e educadores, com argumentos plausíveis, demonstrando organização e responsabilidade na decisão tomada, que foi coletiva.
Essa situação demonstra que o planejamento dos educadores não é algo estático, mas sim dinâmico, fluido. Ele pode e deve ser alterado, de acordo com a relação que se estabelece com os estudantes. É necessário, nesse sentido, incentivar os próprios educandos a propor atividades, pensar na resolução de problemas que surjam na sala de aula, a fim de impulsioná-los a enfrentar os desafios do dia a dia.
Assim sendo, o posicionamento diante de uma situação, a defesa de seus pontos de vista, bem como a demonstração de autonomia para propor soluções em relação aos problemas do dia a dia devem ser elementos valorizados pelos educadores no trabalho com os estudantes. Nas interações apresentadas, a empatia e o respeito ao outro foram essenciais ao processo educativo, revitalizando, desse modo, o currículo escolar, a partir das interações entre sujeitos. Com isso,
A teoria pedagógica se revitaliza sempre que se reencontra com os sujeitos da própria ação educativa. Quando está atenta aos processos de sua própria formação humana. Quando a ação educativa escolar ou extra-escolar, de formação da infância, adolescência ou de jovens e adultos se esquece deles e de seus processos, movimentos e práticas sociais, culturais e educativas e se fecha em discussões sobre métodos, conteúdos, tempos, instituições, calendários, avaliação... Se perde e desvirtua.
Podemos refletir, com base nas situações evidenciadas, que a relação educador-estudante se baseou na construção e na potencialização da participação desses dois grupos de sujeitos no desenvolvimento da aula. Nesse sentido, caro(a) leitor(a), você não concorda que, quando a escola acolhe, cuida e considera importante a manifestação do estudante, ela propicia a construção de aprendizados múltiplos que não estão prescritos nos documentos curriculares oficiais? A escola, dessa maneira, possibilita aprendizados sobre o exercício da cidadania, da liderança, bem como o respeito e a convivência com a diferença, dentre tantos outros.