Introdução

Violências nas trajetórias escolares

Neste texto propomos a reflexão sobre as violências nas trajetórias escolares. Você já parou para pensar como ocorrem as violências nas trajetórias escolares? Convidamos você a ler a seguinte notícia:

Em oito de agosto de 2018, no G1 do “globo.com” foi noticiado um levantamento feito no estado de Minas Gerais, pela Secretaria de Estado de Segurança Pública, com evidências de que nos primeiros seis meses de 2018 haviam sidos registrados 10,6 mil casos de violências em escolas públicas e particulares, sendo que os tipos mais destacados foram furtos (28,2%), ameaças (9,1%) e brigas (7,9%).

Nessa mesma reportagem, a professora de Língua Portuguesa, Kátia Martins, declarou ao jornal que: Várias vezes ocorre agressão verbal na sala de aula. Palavrões que você leva um choque. Às vezes, os meninos estão com algum problema ou acabam transferindo para o ambiente escolar o tratamento que recebem fora.

Segundo a docente, que leciona na escola há 11 anos, a criação de vínculos e falar sobre o assunto ajuda a contornar o problema: Tem que ter controle e lembrar que você é o adulto naquela hora para não piorar a situação. Procuro sempre buscar a conversa e a conciliação. É o que tem dado resultado.

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Você já tinha refletido sobre o porquê de as escolas estarem presenciando situações de violências em seus espaços? Antes de começarmos o assunto, com o propósito de responder essa indagação, precisamos entender que mesmo quando as mídias jornalísticas, televisivas, ou notícias de redes sociais divulgam a violência em espaços escolares, com ênfase ou intensidade, esses problemas não são novos e, também, não é uma realidade somente brasileira.

Segundo Tavares dos Santos (2009), sociólogo brasileiro, a partir do seu estudo sobre a questão da violência escolar, podemos afirmar que há uma preocupação constante de educadores e pesquisadores em enfrentá-la em várias partes do mundo.

É nesse contexto, e com grande preocupação com relação à temática, que convidamos você a refletir sobre as violências e de que maneira elas estão contribuindo ou não para as trajetórias escolares de estudantes brasileiros. Começamos definindo que: a violência é complexa, com múltiplos sentidos, e controversa, por isso, torna-se muito difícil termos uma única definição de violência. Existem várias definições sobre esse termo, pois cada sociedade a define de uma maneira, seguindo seus valores, normas, leis, história, tradição, entre outros fatores.

Se verificarmos sua origem, segundo Michaud (1989), o termo violência é derivado do latim, violentia, que corresponde à veemência, impetuosidade nas ações ou palavras, e sua procedência está relacionada com o termo violação (violare), que está interligada com o uso da agressividade de forma intencional, com vistas a ameaçar ou cometer algum ato que obrigue alguém a fazer ou deixar de fazer algo que, de outra forma, não faria ou deixaria de fazer. No quadro abaixo, elencamos quatro definições para entendermos o conceito da palavra “violência”:

No Dicionário de Filosofia Abbagnano (1982), violência significa:

1. Ação contrária à ordem ou disposição da natureza;

2. Ação contrária à ordem moral, jurídica ou política. Nesse sentido, fala-se em "cometer" ou "sofrer".

3. Michaud (1989) faz uma divagação com o foco em expressões nas línguas grega, latina e sânscrito, e afirma que: “(...) há violência quando, numa situação de interação um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou mais pessoas em graus varáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais.” (MICHAUD, 1989, p. 11).

4. Para Abramovay (2005), a violência é inegavelmente dinâmica e mutável, pois, à medida que uma sociedade se transforma, as violências também mudam suas representações, suas dimensões e seus significados. A dependência do momento histórico, da localidade, do contexto cultural e de uma série de outros fatores lhe atribui um caráter de dinamismo próprio dos fenômenos sociais.

Para a filósofa alemã Hanna Arendt (2004), a violência é considerada um instrumento de dominação: o não reconhecimento do outro é característica da violência, a negação da dignidade humana, a ausência de compaixão e a falta de alteridade, que, em conjunto, causam danos físicos, psicológicos e/ou sociais aos indivíduos pertencentes a uma sociedade. Quando não existe clareza a respeito de regras, ou da forma como a coletividade se organiza, isto é, quando falta o diálogo, as relações de poder e autoridade tornam-se complexas, tensas e conflituosas, isso porque a violência está muito ligada à questão da manifestação de poder.


O poder corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas para agir em concerto. O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas na medida em que o grupo conserva-se unido. Quando dizemos que alguém está ‘no poder’, na realidade nos referimos ao fato de que ele foi empossado por certo número de pessoas para agir em seu nome.

ARENDT, 2001, p. 36

Assim, podemos entender que, para a autora, o poder é um fenômeno do campo da ação humana, coletiva; não é, portanto, somente uma “estrutura”. Ele surge na medida em que um grupo se forma e desaparece (essa desintegração reforça a tese de que o poder está ligado a um momento de fundação). “Estar no poder” significa “estar autorizado” pelo grupo a falar em seu nome.

Como percebemos, são várias as definições de violências e cada uma parte de pressupostos teóricos, políticos e sociais específicos, por isso não encontramos um único conceito. Desse modo, convidamos os(as) leitores(as) a refletir sobre as violências, e, neste estudo, adotaremos a seguinte definição: as violências são formas de demonstração de força, dominação e/ou poder, em uma relação entre agressor e agredido. A partir dessa definição, é possível  afirmarmos que as violências também na escola, conforme discutiremos mais profundamente a seguir.

Assim, para nossa melhor compreensão a respeito das ações e tensões violentas, nos reportamos aos estudos de Abramovay, Cunha e Calaf (2009) que as classificam em três níveis:

1. Violências duras: são os atos classificados legalmente como crimes ou infrações presentes nos códigos penais: lesões corporais, ameaças, roubos, furtos e tráfico de drogas.

2. Micro violências ou incivilidades: são as atitudes que não afrontam nem as leis e nem os diferentes tipos de regimentos estabelecimentos pela sociedade, mas ferem as regras da boa convivência, caracterizando-se por desordens e grosserias.

3. Violências simbólicas: referem-se a uma forma de dominação apoiada nos mecanismos simbólicos de poder que compõem as estruturas das sociedades em geral. A principal característica dessa violência é a força de dominação entre sujeitos, que por vezes passam despercebidas e por isso não são questionadas – se baseiam em uma legitimação social. Um exemplo desse tipo de violência não percebida está no caso de violências contra mulheres.

Mas, como acontecem as manifestações de poder e/ou violências na escola? Segundo Turner (1999), os sujeitos integram grupos sociais e realizam interações por meio deles, por isso podemos acreditar na escola como um lugar onde ocorrem, também, essas interações, com conflitos e violências que estão inteiramente ligados às nossas próprias concepções da sociedade. É importante saber que existem várias investigações sobre o tema violência que buscam explicitar – com diferentes referenciais teóricos – como acontecem os relacionamentos dentro e fora da escola, isto é, nas relações interpessoais ou na sociedade – que transpassam os muros da escola e acabam por integrar-se no ambiente educativo.

Nesse sentido, convidamos os(as) leitores(as) a assistir ao vídeo abaixo, o qual trata acerca de Diálogos Sobre Violência na Escola:

Fonte: CIPA (2013)

A partir do exposto no vídeo, podemos refletir sobre como as violências são, também, responsabilidade da instituição escolar, por isso o tema deve ser incluído nos objetivos das escolas, visto que sua função social está no processo de aprendizagem de todos(as) os(as) estudantes. A escola precisa superar a fase do discurso de igualdade e de acolhimento das diferenças e tornar esses horizontes realidades em seus espaços. Faz-se necessário ter a comunidade escolar reconhecendo – em seu cotidiano, e nos seus mais diversos espaços – suas crianças e adolescentes como sujeitos de direito, como garante a Constituição Brasileira de 1988. Mudanças sociais não são responsabilidades somente da escola, mas sua participação é incondicional.