Violências escolares: as violências intramuros

Como já vimos na unidade anterior, as violências que adentram a escola e nela eclodem geralmente estão ligadas a um Estado omisso, em uma sociedade com grandes questões que tocam a desigualdade social, a pobreza, os(as) beneficiários(as) do Programa Bolsa Família, o desemprego, a ausência de direitos etc. Tanto as violências escolares extramuros como as intramuros resultam de problemas de ordem social – manifestações de poder que podem ser geradas pelos espaços micro ou macro – e estão ligadas às questões relacionais em seu ambiente.
Mas, quais são as violências escolares que acontecem dentro da escola? Como nós as enxergamos?
Hoje, a escola sente muita dificuldade em lidar com a violência estrutural, ou seja, com a violência da própria sociedade; mas existe aquela que está dentro dos seus espaços que nesta unidade denominamos de intramuros. Por vezes, hoje, educadores têm estado impotentes diante de uma rede relações que desconhecem e/ou não compreendem. Isso leva a escola a buscar soluções de combate à violência com mais violências, como ataques verbais, imposição de autoridade ou em muitos casos expulsando o aluno ou transferindo-o para outra escola.

Convidamos os(as) leitores(as) a refletir sobre a seguinte reportagem:
Em março de 2018, a TV gazeta do Espírito Santo fez uma reportagem sobre um estudante de 15 anos que foi esfaqueado por um colega dentro de uma escola municipal. O garoto agredido morava em uma casa de acolhimento na cidade. Aparentemente as causas para tamanha violência eram desconhecidas pela instituição.
A partir do exposto, podemos considerar que é muito mais fácil quando os sistemas de ensino e/ou a representação do Estado atribuem os conflitos e os problemas de violências escolares aos próprios estudantes, ainda mais se estes forem pobres ou excluídos socialmente. Quando temos a percepção de que as violências escolares acontecem por conta de problemas sociais, não nos responsabilizamos pelos acontecimentos violentos que estão acontecendo na/à/da escola (CHARLOT, 2002).
Nesse sentido, convidamos os(as) leitores(as) a conhecer a importância das três categorias nas quais se divide o fenômeno da violência na escola, segundo Charlot (2002).
1. “Violência na escola” - aquela que ocorre dentro da escola, mas poderia ter acontecido em qualquer outro lugar, porque, na verdade, não está diretamente relacionada com as atividades da escola. São as violências extramuros, como, por exemplo, o mundo do crime, ou brigas de estudantes que acabam incidindo dentro da escola, mas por motivos externos.
2. “Violência à escola” - àquela que ocorre contra a escola, pode ser ações diretamente relacionadas à instituição e tudo aquilo que ela representa. É caracterizada por qualquer violência à escola, como: depredações, furtos, bombas, incêndios, furtos e as agressões aos professores.
3. “Violência da escola” - àquela que ocorre quando a escola é o agente da violência, representando a violência institucional. A imposição das regras, o autoritarismo pedagógico, as palavras desrespeitosas por parte da equipe escolar são representativas desse tipo de violência. Esse tipo de violência é, geralmente, caracterizado como simbólica. Há muita resistência dos educadores e de órgãos responsáveis pela educação em reconhecer a violência da escola, principalmente quando ela ocorre de forma invisível. A violência simbólica é a que mais afeta negativamente os processos de socialização e de escolarização de discentes – que naturalizam quadros de incivilidade – e prejudicam de forma cruel a sua aprendizagem, bem como a sua trajetória escolar.
Refletimos com Chrispino (2007) que as razões para ocorrem as violências na escola pública são múltiplas e não podemos simplificá-las. Assim, como são vários os fatores que facilitam as violências sociais – como já vimos na Unidade 1 –, na escola não é diferente. São as violências extramuros, para Charlot (2002) chamadas violências na escola.
Sem a pretensão de culpabilizar docentes ou a equipe gestora, as violências da escola, por vezes, resultam de grandes mudanças que ocorreram nas últimas décadas com a democratização escolar e a ampliação do número de vagas. Com esse novo público dentro das instituições escolares, as relações modificaram-se, a diversidade entra em seu ambiente e a convivência com as diferenças sociais, culturais, de raça, de gênero etc. tornam-se reais.
Por vezes, a escola não consegue mais (mesmo que tente) padronizar essas relações ou sujeitos. Da mesma forma, se perde quando têm que enfrentar a diversidade social em seus espaços; assim, amplia-se os campos de conflitos e violências com resoluções de problemas mal planejadas, sem reflexão sobre o assunto.
A violência da escola é explícita quando não há diálogo, ou o respeito ao ouvir o outro.
Quando não existe o reconhecimento social há incapacidade de negociação.
Estudos e pesquisas, como a de Lima (2017), têm demonstrado que estudantes manifestam-se de forma violenta ou são indisciplinados por terem dificuldades de aprendizagem. Vários deles ficam esquecidos dentro das salas de aula, sem reforço pedagógico ou recuperação de conhecimentos que não assimilaram, aumentando o baixo desempenho escolar e tornam-se cada vez mais indisciplinados, como um ciclo vicioso – perdem o interesse pelos saberes e, portanto, não têm o que fazer em sala de aula. Esse tipo de violência da escola também pode gerar certo desencanto dos estudantes com relação à escola.
Nesse sentido, convidamos os(as) leitores(as) a assistir a animação que trata sobre a corrente da violência:
Fonte: Abluba Desenhos Animados (2016)
O desânimo é um estado mental caracterizado por um sentimento de desestímulo ou de desalento. Essa pode ser uma entre várias outras explicações possíveis para os baixos rendimentos escolares apontados nas pesquisas oficiais sobre a Educação Básica brasileira. O desânimo pode representar um sentimento de não pertencimento dos estudantes com relação ao universo escolar, gerando o abandono e/ou a evasão. Assim, podemos caracterizar como violência da escola o fato de docentes não repensarem seus conteúdos de ensino e/ou renovarem suas perspectivas metodológicas – no sentido das aulas serem mais atrativas e interessantes, ao contrário, podem conduzir seus(uas) alunos(as) apenas a atenderem normas e obedecerem aos padrões estabelecidos.
Assim, como na Unidade 1, quando fizemos um breve levantamento das consequências de não haver um Estado forte e com instituições que busquem a prevenção e repressão das violências, podemos citar, também, entraves que acontecem na trajetória escolar de estudantes, quando a escola se omite, gerando violências:
1. Falta de regras de boa convivência: as incivilidades compreendem as pequenas violências cotidianas ou “microviolências”, que são expressas nas formas de violências verbais, na falta de respeito, no clima dos estabelecimentos, que podem aumentar as violências. Nem sempre essa incivilidade tem início com estudantes ou em suas relações, como muitas vezes acreditamos. A violência da escola é sutil e, também, coloca em xeque as regras da boa convivência.
2. Falta de reconhecimento social: as formas de agir de alunos(as) na escola são tidas como culturais e/ou naturais em seus convívios, por isso, podem ser colocados em situações de sujeição a repreensões, humilhações, punições, ou, ainda pior, exclusão das relações sociais. Um elemento fundamental para que as violências sejam amenizadas é a constituição de interações significativas, com coerências nas ações, atitudes e decisões de gestores, docentes e discentes, pois do contrário o reconhecimento social ou o respeito individual e coletivo não acontecem.
3. Falta de incentivo para ascensão social: sem segurança de ter tido uma boa formação, ou por conta de novos contextos sociais, econômicos, políticos e culturais, estudantes sentem-se desmotivados a permanecerem na escola e não concluem suas trajetórias escolares.
4. Falta de preparo da escola para lidar com os conflitos e violências: receber uma suspensão tornou-se um prêmio. Ao suspender um aluno, a instituição desestimula os estudantes a continuarem seus estudos e reforçam as condutas não aceitáveis. Nesse caso, a suspensão só reforça a perspectiva autoritária e institucional da escola que exclui aquele que não atende às regras, sem perspectivas de desenvolver uma postura educativa.
5. Falta de formação pedagógica, de preferência, continuada: colocar um estudante que está importunando para fora da sala de aula não representa punição, pelo contrário, pode ser motivo de passeio na escola. Quando o professor coloca um aluno para fora da sala de aula emite um recado claro de que ele está sendo excluído. Existem casos polêmicos em que o educador acredita que a avaliação escolar pode ser usada como coerção. Esse tipo de violência da escola cria relacionamentos destrutivos e não educativos, entre professor e aluno. A falta de formação continuada tem gerado atitudes repetitivas e sem resultados, isso também tem aumentado o desinteresse de crianças e jovens com relação ao ensino e a aprendizagem.
6. Falta de comunicação com alunos líderes e formadores de opinião: fortalecer o grêmio estudantil e a participação dos estudantes faz com que a escola conheça e intervenha nas influências violentas, inclusive no bullying ou no cyberbullying.
7. Falta de diálogo e reflexão sobre as discriminações e preconceitos que acontecem por conta de classes sociais, raça, gênero e/ou orientações sexuais: Porto (2000) afirma que o sistema capitalista propaga a ideia de que o sujeito deve dominar o meio em que vive por meio do poder e isso traz consequências para uma sociedade em que uns sujeitos precisam ser melhores que outros. Essa perspectiva gera práticas violentas como o preconceito e representa uma violência da escola na medida em que não lida com essas questões, apenas ignora o sofrimento de seus estudantes.
E, assim, poderíamos elencar várias formas de violências escolares que ocorrem dentro de seus ambientes e que ajudam nesse pacto social de eliminar alunos, rompendo suas trajetórias escolares. Quando os sujeitos desenvolvem uma visão negativa um do outro, torna-se difícil criar um ambiente de entendimento, ou mesmo transformar os conflitos e violências em estímulos para melhorias nos relacionamentos.
Refletimos que espaços como o Conselho Escolar e o Grêmio Escolar são colegiados da escola, ambientes públicos que podem fortalecer iniciativas que permitam o reconhecimento social e o respeito entre educadores e educandos. Nesse sentido, conflitos podem ser discutidos e, ao invés de promover brigas ou violências, acabam por colaborar para melhores decisões de forma coletiva, motivando a todos os envolvidos com a escola argumentos que levem ao bem comum, de forma participativa. Contudo, se os próprios educadores não estiverem abertos à inclusão, dificilmente a possibilidade do diálogo será real. É preciso então insistir que o reconhecimento social não seja uma opção, mas uma condição para a boa convivência no cotidiano escolar.