Violências e sociedade: as violências extramuros da escola

Nessa primeira unidade, consideramos que é de suma importância discutir a questão das violências que estão acontecendo além dos muros da escola, visto que a escola deve ter o dever de refletir sobre os principais fatores que dificultam o acesso, a permanência e a conclusão dos estudos de seus(as) estudantes beneficiários(as) do Programa Bolsa Família, principalmente os(as) que estão em situação de pobreza.
Refletimos que o PBF atua como política pública de busca pela equidade social e educacional, que não se limita à transferência de renda. O PBF é um programa de transferência de renda condicionada, voltado à garantia de direitos na área da educação, saúde e assistência social, e tem como intuito, ainda, romper com uma visão preconceituosa que relaciona a existência do programa à dependência financeira das famílias que necessitam desse benefício para garantir sua sobrevivência.
Portanto, convidamos você a fazer um debate interno e, talvez, externo, compreendendo que a escola, por vezes, não é a responsável direta de tais violências, mas esclarecemos que entender como elas ocorrem e como prejudicam a vida escolar de estudantes brasileiros – em suas trajetórias escolares – faz parte da sua função social.
De que forma as violências sociais impedem os estudantes brasileiros em situação de pobreza a terminarem sua jornada escolar? Para refletirmos sobre o cenário de violências na escola pública brasileira devemos compreender primeiro que toda instituição escolar faz parte de um contexto social. Assim, também as violências estão representadas no imaginário de pessoas com perspectivas diferentes. Quando entendemos isso, compreendemos que as violências sociais se configuram também nas escolas brasileiras.
Nesse sentido, tudo aquilo que lemos em noticiários ou na mídia sobre violências em escolas também pode ter equivalência com as insatisfações ou problemas de ordem social. Ao verificarmos a atual sociedade globalizada e informatizada, compreendemos que as relações entre escola e as situações de violências passam, também, pela reconstrução da complexidade das relações sociais. A violência social é um dispositivo de poder utilizada ou exercida nas relações entre sujeitos (geralmente ações e/ou palavras), por meio do uso da força e/ou da coerção. Os conflitos e os tipos diferentes de violências estão presentes em todos os âmbitos em que se desenvolvem a vida social e produzem danos, na medida em que causam prejuízos físicos e/ou simbólicos.
Essa violência social, que acontece fora da escola, evidentemente traz suas consequências para dentro dela. Convidamos os leitores (as) a compreender esse fenômeno através da seguinte reportagem:
Caso da Escola Estadual em Mauá, no estado de São Paulo, que teve o quadro de energia elétrica vandalizado e a fiação furtada, propiciando a suspensão das aulas. Segundo a reportagem, esse tipo de depredação e assalto à escola, já aconteceu três vezes, em menos de um ano. Criminosos se aproveitam e roubam a fiação e os materiais elétricos, que têm alto valor no mercado, principalmente por conta do cobre.
A direção da escola suspendeu as aulas por não ter como reinstalar a parte elétrica e ainda especificou que a reposição desses dias de aula perdidos se daria apenas no fim do semestre.
Através dessa reportagem, podemos perguntar: será que essa escola consegue manter a sua qualidade de ensino e aprendizagem nessa situação? Como esse tipo de violência social tem influenciado as trajetórias de estudantes brasileiros? Infelizmente, a falta de estrutura social, somada à ausência de um planejamento educacional efetivo, tem acarretado problemas sérios na educação brasileira. Com uma história de injustiças e de violências sociais que fizeram parte do passado, ainda no presente temos uma situação crítica com a desigualdade social, que se apresenta como uma das mais antigas características do Brasil, isto é, a divisão de classes sociais.

O Brasil possui a mais extrema pobreza ao lado da mais excepcional riqueza, em que muitos cidadãos mal conseguem sobreviver, enquanto alguns têm muito. Um paradoxo, em uma sociedade extremamente desigual e estratificada. O Estado brasileiro vem mantendo essa insustentável situação ao desprezar as condições de vida de sujeitos em situação de pobreza e pobreza extrema e as questões de violências sociais. Com a valorização do consumismo, em uma sociedade capitalista, ostenta-se um valor de prestígio ao sujeito que possui bens materiais – por isso, a ideia de ser bem sucedido socialmente está ligada a ter muito dinheiro.
Nessa perspectiva, infelizmente, as tentações de roubo e de obter dinheiro fácil, também estão presentes em toda a sociedade. Lugares em que as camadas mais pobres da população vivem situação de vulnerabilidade social, a subsistência é precária. Nesse contexto, vários crimes ou assaltos ocorrem pela necessidade de sobrevivência. Dessa forma podemos refletir que o aumento de injustiça social leva ao aumento de todo tipo de violência.
A violência gera o medo, mas este gera igualmente violência. Trata-se, então, de um círculo vicioso que se instala; um medo coletivo que é preciso romper a qualquer preço, e cujos únicos beneficiados são certos grupos da segurança, como as firmas de vigilância, as milícias privadas, as companhias de seguros, os esquadrões da morte etc (CHESNAIS, 1999).
Vamos refletir sobre o caso da facção criminosa do Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo, ou o Comando Vermelho (CV) no Rio de Janeiro, que exercem um controle violento – por meio de ações não legitimadas pelo Estado – sobre as comunidades pobres. A maioria dessas mortes é exercida com violação de direitos humanos, por meio de violências físicas, e elas também ocorrem em nome das leis chamadas de “tribunais do crime”. Os sujeitos são acusados pelos criminosos de violar as regras do grupo, são "julgados" e então perdoados ou condenados – sendo que a punição mais comum é a pena de morte.
Existe uma estreita relação da violência com a desigualdade social, pois a pobreza propicia a ausência de direitos e recursos básicos para a sobrevivência, o que gera a delinquência e aumenta as violências. Ao nos reportarmos para o início da história social brasileira, ou mesmo em outros períodos, encontraremos diferentes formas de violências, tais como acatequização de índios e a escravidão de negros – que foram forçados a trabalhar por vários séculos com muito sofrimento e injustiça.
Essas violências representaram não apenas a violência física, mas também a violência simbólica, e produz até hoje a naturalização de índios e negros serem desprivilegiados em contextos sociais. Para Munanga (1986), na prática, a figura de escravo e de negro ou índio sempre foi percebida como a mesma coisa. A relação de poder que, originalmente, se deu com base na coerção física foi coligada a um processo de justificação e legitimação de inferioridade.
Para Chesnais (1999), com um Estado omisso não existe prevenção e repressão das violências. As instituições que deveriam auxiliar o cidadão, ao contrário não funcionam e dificultam a vida social.
Abaixo elencamos seis problemas sociais graves em que o Estado se omite e têm gerado violências.
1. Falta de condições dignas e garantia de direitos básicos aos cidadãos, como: moradia, saúde pública, educação pública de qualidade, transportes públicos etc.
2. Falta de comprometimento nas questões socioeconômicas, devido à globalização que apresenta novas maneiras de acumulação do capital, de centralização industrial e tecnológica; modificações nos modos de produção e do trabalho; no emprego da mão de obra; nas formas de relacionamento entre diferentes países etc.
3. Falta de estrutura e planejamento com a explosão demográfica, e de políticas públicas que propaguem o combate às violências urbanas (os grande centros), com menos competição feroz por emprego, agravados pelas questões econômicas etc.
4. Falta de integração nacional, com ações efetivas aos fatores culturais diferentes, em busca do respeito às diferenças de raças, etnias, credos, gênero, opção sexual etc.
5. Falta de coibição à repressão, quando: a ação da polícia é corrupta; há falta de justiça; o judiciário é lento e ineficaz; e o sistema penitenciário não respeita os direitos humanos.
6. Falta de responsabilização de formadores de opinião e meios de comunicação, fazendo da sua pauta a importância de influências violentas, inclusive de ambientes virtuais.
E assim, poderíamos elencar várias formas de violências sociais que ocorrem fora da escola e que ajudam nessa trama social da exclusão. Podemos concluir nesta unidade, conforme afirma Abramovay (2005), que as violências aumentam quando o Estado está em crise, isto é, quando não exerce a sua função. E qual seria a função social da escola ? É de propiciar conhecimentos e informações aos alunos – e a todos que estão envolvidos com ela – de forma a elucidar qual tem sido e qual teria que ser o lugar de cada um nessa sociedade em que vivemos? E o Estado? Qual seria seu papel?
Esse esclarecimento de como a sociedade está estruturada e qual é o nosso papel dentro dela tende a levar os sujeitos a serem mais exigentes com relação às condutas do Estado e as ações e soluções de governos executivos – por meio de políticas públicas. A intenção é acabar, ou pelos menos diminuir, com as injustiças sociais e promover a garantia de direitos humanos e sociais a todos os cidadãos brasileiros.