Apesar de apresentar mais de 3,3 milhões de crianças e adolescente ocupados, contraditoriamente, o Brasil possui uma das legislações mais avançadas do mundo em relação ao trabalho infantil (CONDE, 2007). O aparato legal de proteção à infância – que atualmente é formado pela Constituição Federal, pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – começou a ser desenvolvido ainda na Velha República. No ano de 1891, foi instituído o decreto n.º 1.313, fixando em 12 anos a idade mínima para o trabalho, salvo na condição de aprendiz. O decreto também proíbe o trabalho noturno e em situações de risco, define os limites da jornada de trabalho em sete horas não consecutivas, podendo chegar a nove horas para meninos (para meninas de 12 a 15 anos e para meninos de 12 a 14 anos), e determina que as fábricas sejam fiscalizadas e punidas mediante o descumprimento das regras.
Ainda no ano de 1927, o Código de Menores entra em vigência. Dentre outras medidas de proteção à infância e à adolescência, tal legislação reforça a ilegalidade do trabalho de indivíduos com menos de 12 anos, além de proibir atividades laborais para menores de 14 anos que não completaram a instrução primária – exceto em caso de autorização da autoridade competente mediante a comprovada necessidade familiar (BRASIL, 1927). O Código também define o limite de 18 anos para que se passe a exercer tarefas periculosas e/ou noturnas e o limite máximo da jornada em seis horas ininterruptas por dia.
O Código de Menores de 1927 é revogado pela Lei n.º 6.697, de 1979, que, no ano de 1990, passa a ser substituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990). O ECA, como é conhecido, constitui-se a partir das lutas históricas da classe trabalhadora brasileira e representa uma grande conquista de direitos sociais para as crianças e adolescentes. Não coincidentemente, tal legislação é instituída somente a partir do processo de redemocratização do País, após o fim da Ditadura Civil-Militar. A partir do ECA, a criança e o adolescente deixam de ser vistos legalmente como “menor”, passando a ser considerados como sujeitos de direitos. Institui-se a legalidade do trabalho de adolescentes na condição de aprendiz, vinculado à educação básica e profissional, além de manter a proibição do trabalho em atividades perigosas, noturnas e que prejudiquem a escolarização - conforme determinação prévia da Constituição Federal de 1988.
Acerca da Constituição de 1988, em vigência atualmente, legisla-se como direito dos trabalhadores, tanto rurais quanto urbanas, a proibição do trabalho de sujeitos menores de dezoito anos em qualquer atividade perigosa, noturna ou insalubre. Também proíbe-se qualquer atividade laboral de menores de dezesseis anos – exceto na condição de aprendiz a partir dos quatorze anos. Nestas mesmas condições - após ajustes dados pela Lei 10.097/2000 - o trabalho de crianças e adolescentes é regulamentado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada ainda em 1943.
É preciso ter cautela ao avaliar o trabalho infanto-juvenil na forma de aprendizagem – ou “jovem aprendiz”. Por ser legal, aparentemente, este tipo de vinculação laboral não apresenta-se como exploradora. Todavia, em algumas situações o adolescente é contratado para fazer o trabalho que seria executado por um adulto, recebendo um salário bem menor. Além disso, diante da fiscalização nem sempre frequente, o jovem passa a executar tarefas repetitivas ou que envolvem carregamento de peso, mesmo que isso não seja permitido por lei. Estes casos nos levam a questionar que tipo de aprendizagem significativa o adolescente está tendo ao desempenhar seu trabalho.
Há de se mencionar ainda as constantes tensões que ocorrem no âmbito empresarial e político e que visam a redefinição da idade legal para o trabalho. O Caderno Legislativo da Abrinq (2016) lista seis projetos de lei criados entre 2011 e 2015, de autoria de diferentes deputados, com a comum finalidade de diminuir de 16 para 14 ou 15 anos a idade mínima para que o adolescente ingresse no mercado de trabalho. Partindo da premissa que a infância e a adolescência precisam ser protegidas, tais projetos apresentam-se como um retrocesso ante às lutas históricas da classe trabalhadora em escala mundial.
Por fim, é válido ressaltar que, mesmo com todo este aparato legal existente, o trabalho infantil figura como realidade persistente. Isso porque a legislação define regras e limites, mas não interfere na condição objetiva da classe trabalhadora. Enquanto as condições materiais gerarem o empobrecimento dos indivíduos dessa classe social, o trabalho das crianças continuará ocorrendo, dia após dia, escamoteado em ambientes privados ou escrachado diante dos olhos de todos, transfigurado sob outros nomes. Isso não significa menosprezar a relevância das leis na proteção da infância na atual forma de sociabilidade – apenas sinaliza que a legislação proibitiva é incapaz de erradicar de modo autônomo o problema social do trabalho infantil.