Acerca do trabalho infantil, o objeto prioritário das políticas públicas no Brasil é a erradicação das chamadas “piores formas”. Consideram-se como tais as ocupações em regime de escravidão ou análogas a estas; prostituição ou produção de pornografia; atividades ilícitas; trabalhos que prejudiquem a saúde, a segurança e/ou a moral da criança. A definição e a proibição destas atividades derivam da Convenção n.º 182 da OIT, de 1999 – legitimado no Brasil a partir do decreto n.º 3.597/2000. Para fins conceituais, o documento final toma como “criança” qualquer indivíduo com idade abaixo de dezoito anos.
Atividades com máquinas e ferramentas perigosas, subterrâneas ou subaquáticas, em ambiente insalubre, em condições difíceis, por longas jornadas e em período noturno são definidas como piores formas de trabalho infantil pela OIT. A convenção orienta ainda aos países signatários que dispensem maiores atenções às crianças mais jovens e às meninas, bem como ao “trabalho oculto” e aos demais grupos que possam apresentar maior vulnerabilidade para o trabalho precoce nas piores formas.
O Brasil, como signatário, comprometeu-se a adotar medidas efetivas e urgentes com vista ao mapeamento, a definição de estratégias, a elaboração de legislação adequada e a aplicabilidade de medidas de erradicação das piores formas de trabalho infantil no País. Além disso, assumiu a tarefa de listar e rever periodicamente as ocupações consideradas “piores formas” em seu território. É neste sentido que é elaborado o Decreto n.º 6.481/2008. Através dele, 89 itens são considerados como “trabalhos prejudiciais à saúde e à segurança”, sendo estes subdivididos nas atividades de agricultura, pecuária, silvicultura e exploração florestal; pesca; indústria extrativista; indústria de transformação; produção e distribuição de eletricidade, gás e água; construção; comércio (reparação de veículos automotores objetos pessoais e domésticos); transporte e armazenagem; serviços coletivos, sociais, pessoais e outros; serviços domésticos. Além destas, outros quatro itens são listados como “trabalhos prejudiciais à moralidade”, por se referirem a ocupações com bebidas alcoólicas; em ambientes como bares, prostíbulos, salas de jogos de azar, motéis e outros; de produções com caráter sexual; ou com exposição a abusos psicológicos, sexuais ou físicos.
O Decreto supracitado não ignora o trabalho infantil em conflitos armados e no tráfico de drogas como uma das piores formas possíveis de ocupação. A partir de Conde (2016), observa-se que esta é uma realidade persistente para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, principalmente nas áreas periféricas das grandes cidades. As condições de vida precárias – que envolvem moradias irregulares em locais de deslizamento ou alagamento e a ausência de serviços públicos, como água, energia elétrica e rede de esgoto – geram a necessidade de que as crianças trabalhem desde cedo. Muitas vezes, esse trabalho ocorre em atividades ilícitas, como o tráfico, colocando a vida da criança em risco diante de conflitos armados entre gangues rivais ou com a polícia.
Apesar das atividades laborais descritas acima serem particularmente degradantes para as crianças, defendemos que todo e qualquer trabalho que faça competição com as atividades de brincar e de estudo apresentam prejuízos ao desenvolvimento do indivíduo. Até mesmo o trabalho infantil artístico em novelas, filmes, comerciais ou programas de televisão – que é visto socialmente com um verniz de glamour – apresenta suas contradições. Crianças, muitas vezes com menos de cinco anos, passam a adotar uma agenda profissional controlada por pais ou empresários, precisam andar sempre impecavelmente arrumadas e enfrentar horas consecutivas de fotografias ou gravações. Desta forma, limita-se o tempo de brincadeira e o convívio com crianças da mesma idade. Certamente, o trabalho de uma criança sob o ar condicionado em um estúdio de televisão é bem diferente daquele realizado por outra criança no corte de cana-de-açúcar, sob o sol quente, manuseando objetos cortantes. Todavia, é inegável que em ambos os casos temos crianças em situação de trabalho.