A Lei n.º 13.146, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) (BRASIL, 2015), tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, buscando assegurar o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais desses indivíduos.
Em seu art. 3º, são apresentadas algumas definições importantes para a compreensão da deficiência na perspectiva do modelo social e a consequente luta pela equiparação de oportunidades às pessoas com deficiência em diferentes âmbitos. Destacamos aqui os incisos I e IV:
I - acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida.
No mesmo documento, é posto que barreiras seriam:
IV- qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros.
Elas seriam classificadas em: a) barreiras urbanísticas; b) barreiras arquitetônicas; c) barreiras nos transportes; d) barreiras nas comunicações e na informação; e) barreiras atitudinais; e f) barreiras tecnológicas (BRASIL, 2015). Sobre isso, barreiras urbanísticas seriam, por exemplo, calçadas, ruas, praças que não são acessíveis. Barreiras arquitetônicas seriam prédios sem acessibilidade, banheiros não adequados, paredes que impeçam a locomoção das pessoas com deficiência.
Já a classificação de barreiras nos transportes, seria ônibus e carros não acessíveis. Por outro lado, as barreiras nas comunicações se constituem, por exemplo, pelo material didático não acessível e/ou fotos sem descrição. Barreiras atitudinais acontecem, por exemplo, quando alguma atitude da pessoa que interage com uma pessoa com deficiência faz com que esta se sinta sem capacidade de aprender. Um outro exemplo seria quando, em uma divisão de trabalho em grupo, a turma deixa a pessoa com deficiência para ser escolhida no final. E, por fim, as barreiras tecnológicas seriam aquelas que impedem, tecnologicamente, a pessoa com deficiência a ser incluída na sociedade.

Agora, gostaríamos de convidá-lo(a) a assistir um vídeo que discute a respeito das barreiras atitudinais de que falamos aqui.
Fonte: Vai Uma Mãozinha aí? (2017).
Então a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) veio pra acabar de vez com histórias de exclusão de pessoas com deficiência em diferentes contextos?
Primeiro, analisando a legislação brasileira, é importante retomarmos o conceito de pessoa com deficiência da LBI. Analisando essa lei, compreendemos que pessoa com deficiência seria aquela pessoa que “tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (BRASIL, 2015).
Dessa forma, ainda hoje são consideradas as categorias de deficiência (IBGE, 2018):
a) deficiência física: alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia;
b) deficiência auditiva: perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz;
c) deficiência visual: cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores;
d) deficiência mental: funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: 1) comunicação; 2) cuidado pessoal; 3) habilidades sociais; 4) utilização dos recursos da comunidade; 5) saúde e segurança; 6) habilidades acadêmicas; 7) lazer; e 8) trabalho;
e) deficiência múltipla: associação de duas ou mais deficiências.
Pautando-se nessa categorização, o Censo Demográfico de 2010 demonstrou que 23,9% da população brasileira declara ter alguma deficiência (IBGE, 2018). Essas informações você poderá ver melhor no infográfico abaixo:

Podemos, então, perceber que a deficiência mais declarada é a deficiência visual (18,6% da população total), seguida da deficiência motora (7%), deficiência auditiva (5,1%) e mental ou intelectual (1,4%). Em relação a sexo e raça, as mulheres negras são o grupo com maior percentual de deficiência declarada (30,9%). Em relação à idade, 67,7% dos idosos com 65 anos ou mais identificaram pelo menos uma das deficiências investigadas (IBGE, 2018).
Também considera-se interessante pontuar que, em conformidade com a Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), a investigação da deficiência no Censo Demográfico 2010 se baseou na percepção do indivíduo sobre sua dificuldade em enxergar, ouvir ou se locomover, e na existência da deficiência mental ou intelectual. Essa percepção também está relacionada com sua interação com o ambiente em que o indivíduo está inserido, bem como com as condições econômicas e sociais que o cercam (BRASIL, 2012).
As perguntas realizadas foram: se a pessoa tinha dificuldade permanente de enxergar (avaliada com o uso de óculos ou lentes de contato, no caso da pessoa utilizá-los); se a pessoa tinha dificuldade permanente de ouvir (avaliada com o uso de aparelho auditivo, no caso da pessoa utilizá-lo); ou se a pessoa tinha dificuldade permanente de caminhar ou subir escadas (avaliada com o uso de prótese, bengala ou aparelho auxiliar, no caso da pessoa utilizá-lo), sem a ajuda de terceiros.
As perguntas apresentavam a seguinte classificação: a) não consegue de modo algum; b) grande dificuldade; c) alguma dificuldade; e d) nenhuma dificuldade. Em relação à deficiência mental ou intelectual, foi perguntado se a pessoa tinha alguma deficiência mental ou intelectual permanente que limitasse as suas atividades habituais, como trabalhar, ir à escola, brincar etc, não se considerando as perturbações ou doenças mentais como autismo, neurose, esquizofrenia e psicose.
Assim como aponta Bevilacqua (2018), do modo como foram feitas as perguntas sobre a deficiência no Censo 2010, é possível que pessoas que usam óculos ou lentes de contato, por exemplo, tenham apontado alguma dificuldade de enxergar, sendo computada a informação como deficiência visual. Tem sido apontado que o percentual de 18% de pessoas que se autodeclararam com deficiência visual no Censo de 2010 deve ser um número superestimado, não correspondendo à realidade. Esse dado poderia estar mais próximo à realidade se fosse considerado apenas as pessoas que declararam ter grande dificuldade ou não conseguir de modo algum enxergar, o que corresponde a 3,44% da população total, de acordo com os dados do Censo Demográfico 2010.
Mesmo com tantos avanços do ponto de vista da legislação brasileira, resultado, em grande parte, das lutas dos movimentos sociais de pessoas com deficiência, ainda há muitos equívocos e impasses com relação ao modo como a pessoa com deficiência é vista. Excluídas da participação em diferentes contextos sociais, as pessoas com deficiência vivem experiências de exclusão de diferentes modos.
Características identitárias como a deficiência, a raça, o gênero, a geração, a classe social, entre outras, são constituidoras dos seres humanos que compõem, por exemplo, os contextos escolares. Bock e Nuernberg (2018) destacam que a compreensão da interseccionalidade dessas características contribui para que a escola se torne mais acolhedora para todos os sujeitos, com práticas pedagógicas que considerem a variação humana para o acesso ao conhecimento, para as interações sociais, para as diferentes formas de expressão de ideias, desejos e sentimentos.