Introdução

Trajetórias de crianças e adolescentes com deficiência e dificuldades de acesso à educação escolar

Figura 1: pintura de Frida Kahlo feita em 1953. Fonte: Museu Frida Kahlo.

Escrita por Frida Kahlo após a amputação da perna direita, essa epígrafe nos faz pensar muito acerca de como a deficiência é compreendida em nossa sociedade. Há problematizações relevantes a serem feitas aqui: afinal, para que é necessário ter pés para voar? Seriam eles necessários para seguir nossos sonhos?

Essas perguntas podem nos levar a refletir sobre o olhar que ainda se tem sobre as pessoas com deficiência como pessoas que enfrentariam mais dificuldades para conseguir conquistar seus sonhos. Tal olhar expressa um ideal normativo, muito forte em nossa sociedade. Nessa perspectiva, certos corpos são considerados mais adequados e legitimados para viver e atingir a felicidade.

Como aponta Butler (2006), certos corpos, a depender de como são e do que fazem, estariam “à margem” por não atingirem o suposto ideal normativo, tão disseminado por discursos e instituições. As pessoas com deficiência seriam um dos grupos com os corpos nessa condição. É muito recente e ainda não difundida plenamente a compreensão de que as restrições à participação das pessoas com deficiência se devem mais às barreiras do contexto social na qual estão inseridas do que às chamadas limitações impostas pela deficiência.

A legislação brasileira, embora tenha avançado significativamente na direção de romper com essa perspectiva normativa, reconhecendo os direitos das pessoas com deficiência, ainda não é suficiente para impedir situações de restrição à participação dessas pessoas.

Um exemplo disso é o fato de que, apesar de salientado na Constituição Federal de 1988 (art.  5º, XV)que dispõe que a liberdade de ir e vir não pode ser restringida pelo Estado, vemos que, em diferentes espaços, urbanos e rurais, pessoas com deficiência parecem não estar incluídas no “todos”, que inicia o art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (BRASIL, 1988). Basta olharmos para as calçadas, para aqueles que têm acesso à escola, para a rua, para os transportes coletivos etc… Será que a sociedade está organizada para que todos os modos de existência tenham seus direitos garantidos? Se não, o que poderíamos fazer?

Pensando sobre isso, é necessário compreender a deficiência como uma experiência humana, que pode ocorrer ao longo da vida de qualquer pessoa. Além disso, é fundamental superar a concepção de deficiência como uma tragédia pessoal, como um “problema” individual. Ainda é muito comum que as pessoas com deficiência sejam vistas como carentes e/ou inferiores em capacidades humanas como atenção, linguagem, aprendizagem, adequação social. É como se individualizássemos a deficiência, como se colocássemos o “problema” diretamente na pessoa, em sua própria condição de existir.

Do mesmo modo, a condição de pobreza também possui esses sentidos depositados. Quantas vezes já escutamos frases como: “é pobre porque não quis trabalhar”? Como se o problema da situação de pobreza fosse individual, centrado no sujeito, como se fosse só dele a “culpa” em estar em situação de pobreza.

Assim, a fim de problematizar a respeito de visões individualizantes que consideram que o sujeito produz sua própria condição de existência e que é totalmente responsável por ela, este material faz um convite para que reflitamos sobre conceitos e situações relacionados à acessibilidade de estudantes com deficiência à escola.

Dessa maneira, este módulo, que visa abordar as questões apontadas, está organizado nas seguintes seções: a) Questões problematizadoras a partir do documentário Todos com todos; b) Texto que discute e problematiza conceitos que estão imbricados na temática deficiência e escolarização, bem como notícias e falas significativas que circundam o tema; e c) Síntese reflexiva sobre a temática.