UNIDADE 2

Deficiência e escolarização

 

A escola e os processos de escolarização de pessoas com deficiência no Brasil

E de que forma a escola deveria lidar com a experiência da deficiência? Bem, primeiramente, seria necessário entender como podemos pensar a respeito do que seria esse espaço. Assim, a escola, compreendida como instituição que participa significativamente da constituição dos sujeitos, tanto alunos quanto professores e demais profissionais da educação que atuam no espaço escolar, é marcada por diferentes problemas que dificultam o alcance de seu objetivo central, que é possibilitar o acesso ao conhecimento sistematizado.

No entanto, considerando as imensas desigualdades sociais presentes em nosso País desde o período colonial, podemos afirmar que a história da educação brasileira é marcada por profundas desigualdades de acesso e pelo insucesso na aprendizagem de uma parcela considerável de alunos, especialmente aqueles oriundos das camadas populares.

Nesse sentido, os estudos de Patto (2015) contribuem para a compreensão sobre a constituição da escola pública no Brasil. Para a autora, a escola inicialmente foi necessária para qualificação das classes populares para atender às exigências do processo de industrialização com o crescimento da população urbana e a diminuição da população rural. Ou seja, não havia preocupação com a formação acadêmica em si, mas sim com a formação de atitudes e de disciplina. Assim, os conteúdos escolares para essa população deveria se restringir aos conhecimentos considerados básicos, como ler, escrever e contar.

Os movimentos de expansão da oferta de escola para a população em idade escolar a partir da década de 1930 mostram que à medida que as exigências de escolarização se ampliaram, um contingente cada vez maior de crianças, provenientes de diferentes contextos socioeconômicos, foi chegando à escola.

A ampliação da diversidade cultural dos alunos em uma escola pensada para um tipo ideal de aluno gerou um número cada vez maior de alunos com rendimento escolar insatisfatório, expressos, em diferentes momentos, principalmente nas décadas de 1970 e 1980, em altos índices de repetência, abandono e evasão.

Tais índices revelam o fracasso escolar de uma parcela significativa do alunado de escolas públicas brasileiras. Patto (2015), uma das referências no estudo do fracasso escolar em uma perspectiva crítica, mostrou uma possibilidade de compreensão da escola como uma instituição que produz dificuldades de escolarização.

A autora, ao se referir à história de um dos meninos multirrepetentes, narrada em seu clássico livro A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia, afirma ser esse “um caso típico de medicalização das dificuldades de escolarização que as transforma em dificuldades de aprendizagem devidas a deficiências mentais dos educandos” (PATTO, 2015, p. 446). Tal perspectiva de análise se mostra bastante promissora para reafirmar que a escola continua a ser, até hoje, “uma instituição a serviço da reprodução das desigualdades sociais” (PATTO, 2015, p. 454).

As pessoas com deficiência sempre tiveram acesso à escola no Brasil?

Não. Buscando traçar um breve histórico da escolarização de pessoas com deficiência no Brasil, podemos afirmar que a segregação que marcou a educação dessas pessoas em nosso País está associada a uma história de exclusão de grande parte das populações marginalizadas. Sob a influência de teorias racistas e de outras teorias de caráter liberal, os alunos e suas famílias foram historicamente responsabilizados pelo fracasso escolar, seja  pela evasão, seja pela reprovação (PATTO, 2015).

Atualmente, com as políticas educacionais de perspectiva inclusiva, o fracasso da escola em acolher todos os alunos e promover a igualdade de oportunidades educacionais tem gerado discursos de culpabilização dos professores. Tais discursos apontam lacunas na formação docente, “desinteresse” dos professores em buscar formação continuada, bem como falta de disponibilidade para buscar recursos e estratégias pedagógicas que possibilitem o acesso ao conhecimento a todos os alunos.

No entanto, mesmo com todas as fragilidades da escola e os decorrentes problemas nos processos de escolarização de alunos com deficiência, é importante pensarmos nos avanços promovidos pelas políticas educacionais em uma perspectiva inclusiva. Para isso, convidamos você a compreender a trajetória histórica da educação de pessoas com deficiência no Brasil. Assim, primeiro, vamos navegar no infográfico que demonstra o crescimento de matrículas de crianças, adolescentes e jovens com deficiência na Educação Básica no período de 1998 a 2017?

Figura 5: matrículas de crianças, adolescentes e jovens com deficiência na Educação Básica no período de 1998 a 2017.

A partir da leitura desses dados, vemos que houve um crescimento no número de matrículas de pessoas com deficiência na escola. Mas, será que uma pessoa com deficiência tem ou teve as mesmas oportunidades que uma pessoa sem deficiência? Para destrincharmos essa pergunta, a seguir, pontuamos sobre como foi a criação de oportunidades educacionais para pessoas com deficiência pelo Poder Público.

Criação de oportunidades educacionais para pessoas com deficiência pelo Poder Público

Jannuzzi (2004) e Kassar (2013) destacam que, no Brasil, o direito à escolarização das pessoas com deficiência tem se concretizado dentro do movimento de universalização do Ensino Fundamental desde os anos 1990. Ou seja, embora o atendimento educacional às pessoas com deficiência por parte do Estado tenha iniciado no final do século XIX, com a criação dos institutos para educação de cegos e de surdos, é bastante recente o investimento e a responsabilidade do Poder Público pela escolarização das pessoas com deficiência nos sistemas regulares de ensino.

As primeiras experiências significativas de inserção dessa população nas escolas comuns datam da década de 1970, influenciadas pelos princípios de normalização e integração, divulgados pelo movimento de integração, iniciado na Europa nos anos 60. Tal movimento propunha o acesso das pessoas com deficiência ao ensino em escolas regulares, em uma tentativa de inseri-las em ambientes o mais próximos possível do que era considerado a normalidade, pressupondo um diálogo entre as chamadas Educação Especial e Educação Regular.

Anos 90 – o início de uma perspectiva educacional inclusiva nos documentos de políticas públicas

Nos anos 90, mais fortemente a partir de 1994, com a divulgação da Declaração de Salamanca, o debate volta-se à inclusão de todas as crianças no Ensino Regular, independente de suas condições físicas, sociais, emocionais, linguísticas ou culturais. Assim, passavam a ser necessárias mudanças significativas nas escolas para que estas pudessem cumprir seu papel de possibilitar o acesso ao conhecimento a todos os alunos, inclusive àqueles considerados com alguma deficiência ou com necessidades educacionais especiais.

É importante destacar também que, a partir da Constituição Federal de 1988, a educação passou a ser apresentada como um direito social, conforme o art. 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988).

A partir da Constituição de 1988, ocorre a universalização da educação e da saúde, independente de contribuição. “Portanto, a política educacional passa, a partir de 1988, a ser uma política pública de caráter universal e isso gera mudanças nos sistemas de ensino” (KASSAR, 2011, p. 46).