O estudante, o tráfico de drogas e a escola: como diferenciar os sujeitos nessa mistura?

Problemas familiares e sociais levam jovem a infringir lei, aponta pesquisa:
Aluno é flagrado com porções de drogas dentro de escola:
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Professora de Muniz Freire é presa dentro de escola por suspeita de tráfico de drogas:
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Essas são cenas recorrentes em muitas localidades do Brasil, sobretudo naquelas em que se destacam a extrema pobreza e a vulnerabilidade social. No entanto, a impressão que temos ao ouvir a grande mídia é de que o tráfico de drogas está dominando o mundo. Precisamos relativizar um pouco essa compreensão.
Não há dúvida de que o tráfico é um problema social sério, com articulações em diferentes esferas econômicas e políticas e que alicia muitas crianças, adolescentes e jovens. No entanto, é preciso acreditar e reconhecer que uma nação só amadurece em seu processo democrático mediante o avanço da educação. Portanto, apostar e lutar pela educação gratuita e de qualidade, buscando alcançar o pensamento crítico, emancipado e saudável, é apostar e lutar pela sustentabilidade política do nosso País.
Cada vez que o Estado e a sociedade abandonam um jovem e permitem que ele seja aliciado pelo tráfico de drogas, se está contribuindo para um problema que vai muito além da questão das drogas em si. Quando isso acontece, ficamos mais longe do que queremos alcançar enquanto nação. Atribuir a esse jovem a total responsabilidade sobre essa “decisão” é, no mínimo, ingênuo, e, da mesma forma, os problemas que esse aliciamento podem causar oferecem riscos a toda a sociedade.
No Brasil, a educação de 4 a 17 anos é obrigatória por lei, sendo considerado crime tipificado no Código Penal o “abandono intelectual”. Isso quer dizer que a família, sob pena de reclusão ou multa, precisa orientar o filho sobre a importância da educação e garantir que ele frequente a escola. O Estado, por sua vez, precisa assegurar vagas para todas as crianças, adolescentes e jovens nessa faixa etária. As famílias podem contar com o Ministério Público caso seja necessário cobrar essa responsabilidade do Estado. Já a instituição escola precisa se tornar dinâmica e desenvolver, além das disciplinas obrigatórias, os temas de relevância social que são, quase sempre, atraentes aos estudantes: prevenção ao uso problemático de drogas, meio ambiente, atividades culturais, educação sexual, engajamento social e tantos outros que se ergam como opção ao tráfico de drogas. Para ter acesso a mais informações sobre algumas dessas questões relevantes, sugerimos que você veja os outros textos de nosso projeto.
No entanto, o mais importante diante desse esforço coletivo é o adolescente afirmar para si mesmo que deseja se emancipar por meio da educação. Isso ocorre quando o adolescente tem um projeto de vida pessoal, algo que seja motivador para ele, que ele descobre a partir da ampliação da oferta de oportunidades saudáveis fornecidas, principalmente, pela escola. Essas oportunidades saudáveis que a escola pode propiciar são a materialização de práticas pedagógicas que auxiliam essas crianças, adolescentes e jovens a desenvolver autonomia. Parte desse processo de descoberta e construção envolve cuidados com a saúde mental e física.
Voltando o olhar para o traficante, no Brasil temos que, de acordo com Lima (2010):
Segundo o Ministério da Justiça [...] entre outubro de 2006 e maio de 2008, [...] havia 180 mil presos em regime fechado por tráfico de drogas no país. Foi mapeado que a maioria dos condenados por tráfico de drogas no Brasil eram réus primários, presos sozinhos, desarmados e com pouca quantidade de drogas, portanto, "traficantes" descartáveis, varejistas, que não detinham poder na estrutura econômica do tráfico.
Vamos ver alguns dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública sobre a população carcerária no Brasil?

Você pode ter acesso a mais dados sobre essa questão acessando o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de 2016 e outras versões da pesquisa de 2014 e 2015, além das versões sobre a população penitenciária feminina no Brasil.
As figuras mostram que existe um recorte social muito claro quando falamos de população carcerária no Brasil: que o número de homens é cerca de 15 vezes maior que o número de mulheres; que um terço deles foi preso por envolvimento ilegal com drogas; que mais de dois terços são jovens negros e pardos que interromperam suas trajetórias escolares em algum momento. Isso lhe lembra alguma coisa? É familiar? Um número imenso de crianças, adolescentes e jovens que abandonaram a escola no passado estão presos hoje. Talvez, se tivessem completado suas trajetórias escolares, tivesse sido diferente– talvez não; não há como saber. A educação não é o único fator que determina o destino das pessoas, mas pode ajudar, e muito, a evitar o pior – mas não sozinha: a escola precisa da ajuda de toda a sociedade e do Estado para que possamos alcançar esse objetivo.
É muito comum fazermos correlações entre pobreza, violência e tráfico de drogas. Mas não podemos aceitar isso como uma realidade que não pode ser mudada. Vimos no gráfico que a escolaridade dos cidadãos privados de liberdade é um dado importante. Como uma trajetória escolar continuada poderia ter mudado esse caminho? Será que poderia? Vimos que a população carcerária no Brasil só aumenta. Vimos também qual é o perfil da maioria dessas pessoas. Quando isso começou? Foi sempre assim? O que isso tudo tem a ver com o uso problemático de drogas? Talvez, se voltarmos um pouco na história, possamos encontrar algumas respostas.