Consumos de drogas no Brasil

Aspectos históricos-políticos e legais
Neste tópico, vamos explorar aspectos históricos importantes para entendermos mais sobre os discursos que têm pautado e orientado as decisões políticas em relação às drogas no Brasil. Principalmente decisões de proibir certas substâncias, e não outras.
Já em 1888, com o fim da escravatura no Brasil, o modelo proibicionista rege as políticas sobre drogas. A questão, no entanto, é que, além de criminalizar o uso de certas drogas, usa-se esse mesmo discurso para criminalizar negros e pobres e puni-los por suas manifestações culturais. Aliás, você sabia que, no século passado, uma pessoa negra com um pandeiro na mão podia ser detida e encarcerada? O samba, a capoeira e a umbanda – elementos da cultura negra – eram criminalizados.
Em 1921, o Decreto n.º 4.294/1921 “estabelece penalidades para os contraventores na venda de cocaína, ópio, morfina e seus derivados; cria um estabelecimento especial para internação dos intoxicados pelo álcool ou substâncias venenosas; estabelece as formas de processo e julgamento e manda abrir os créditos necessários” (BRASIL, 1921). Esse decreto é um marco legal da concepção sanitária de controle das drogas.
Em 1932, o Decreto n.º 20.930/1932 “fiscaliza o emprego e o comércio das substâncias tóxicas entorpecentes, regula a sua entrada no país de acordo com a solicitação do Comité Central Permanente do Ópio da Liga das Nações, e estabelece penas” (BRASIL, 1932). Esse decreto penaliza, em seu art. 25, quem “vender, ministrar, dar, trocar, ceder, ou, de qualquer modo, proporcionar substâncias entorpecentes; propor-se a qualquer desses atos sem as formalidades prescritas no presente decreto; induzir, ou instigar, por atos ou por palavras, o uso de quaisquer dessas substâncias” (BRASIL, 1932). E mais, considera todo e qualquer uso de drogas como doença passível de internação compulsória, conforme descrito nos artigos a seguir:
Art. 44. A toxicomania ou a intoxicação habitual por substâncias entorpecentes é considerada doença de notificação compulsória, feita com caráter reservado, à autoridade sanitária local.
Art. 45. Os toxicômanos e os intoxicados habituais por entorpecentes e pelas bebidas alcoólicas ou, em geral, inebriantes, são passíveis de internação obrigatória ou facultativa por tempo determinado ou não.
No período da ditadura militar no Brasil, os “subversivos” e “vagabundos” juntavam-se aos negros como foco da repressão e exclusão social – eram considerados inimigos do regime. Esse fato pode explicar a associação das drogas no movimento de contracultura dos anos 60 e 70 pela liberdade de expressão e democracia. Em 1976, a Lei n.º 6.368 “dispõe sobre Medidas de Prevenção e Repressão ao Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Substâncias Entorpecentes ou que Determinem Dependência Física ou psíquica” (BRASIL, 1976).
Segundo Silva (2010), em 1971, o modelo norte-americano chamado de “Guerra às Drogas”, “foi fortemente destacado pelo presidente Nixon, em 1972, no final da guerra do Vietnã, como parte da estratégia americana de manutenção de suas zonas de influências no contexto da Guerra Fria” (p. 3). Ainda citando o autor, esse modelo também teve o intuito de mostrar a proximidade existente entre o discurso médico e a política dominante:
O Brasil poderia ser explicado a partir da mistura racial; as mazelas do povo brasileiro, suas fraquezas e índole passaram a ser entendidas como constitutivas do processo de miscigenação do país. Aplicada no campo da medicina, essa corrente de pensamento defendia que somente a partir da perscrutação do doente – dando especial atenção a sua raça – seria possível compreender a loucura, a criminalidade, a degeneração e, no limite, a falência da nação.
Essa eugenia coloca, mais uma vez, o negro como “louco, criminoso, degenerado e responsável pelas mazelas da nação”.
Em 2006, a Lei n.º 11.343/2006 “institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências” (BRASIL, 2006).
Essa lei substitui o termo “substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica” por “drogas” e, o mais importante, estabelece uma distinção entre “usuário” e “traficante”. Para o usuário estão previstas penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medidas socioeducativas, não sendo prevista a privação de liberdade. É preciso entender, no entanto, que não houve a descriminalização da posse de drogas pelo usuário, ou seja, a conduta ainda é criminosa. Por isso, as penas só podem ser aplicadas por um juiz mediante a abertura de um processo legal. Mas, sem dúvida, foi um avanço.
Aspectos epidemiológicos
No Brasil, as pesquisas epidemiológicas mais significativas se iniciam somente na década de 1980 – algo muito recente do ponto de vista histórico –, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou um questionário padronizado que permitiu a comparação de resultados entre diversos países.
As pesquisas mais recentes afirmam que as drogas lícitas são as mais usadas no Brasil, sendo o álcool a mais consumida entre jovens brasileiros. Cerca de 65,2% dos estudantes pesquisados afirmaram ter consumido bebida alcoólica pelo menos uma vez na vida, de acordo com o 6º Levantamento Nacional sobre Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública de Ensino (2010).
Sabemos que as primeiras experiências com drogas acontecem nesse período do desenvolvimento humano, quando queremos conhecer tudo o que a vida nos apresenta. Nesse sentido, vamos dar destaque aos dados obtidos pela Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE, 2015). Essa pesquisa associa o consumo abusivo de bebida alcoólica ao fracasso escolar e outros comportamentos de risco, como sexo desprotegido. Segundo a pesquisa, 9% dos estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental já experimentaram drogas ilícitas, dos quais 5,5% afirmaram ter usado crack alguma vez nos últimos 30 dias, o que corresponde a 0,5% dos alunos pesquisados. Esse dado é preocupante, sem dúvida, mas não alarmante como o do álcool.
Segundo a PeNSE (2015), entre alunos que estavam cursando o 9º ano, 18,4% dos entrevistados já haviam experimentado cigarro pelo menos uma vez; 55,5%, álcool; e 4,1%, maconha. Entre estudantes de 13 a 17 anos, os números aumentam: dos que têm entre 13 e 15 anos, 19% já experimentaram cigarros; 54,3%, álcool; e 9,1%, drogas ilícitas. Entre os que têm entre 16 e 17 anos, 29,1% já provaram cigarro; 73%, álcool; e 16,6% experimentaram algum tipo de droga ilícita.
Além desses números, devemos dar atenção a outra informação que a pesquisa nos traz: para todo tipo de droga analisada, foi possível perceber que o consumo é mais frequente nas escolas públicas, que estão inseridas em espaços de vulnerabilidade social. Isso nos alerta para a relevância do uso de drogas lícitas, ou seja, permitidas socialmente, com possíveis desdobramentos para o uso problemático, que vão além dos problemas ao próprio usuário, mas envolvem também criminalidade e acidentes de trânsito, por exemplo. Esse é um problema pior do que o consumo das drogas ilegais, do ponto de vista da saúde pública.
Fonte: Projeto Trajetórias Escolares (2018).