Direitos sexuais e direitos reprodutivos

O que são direitos sexuais e direitos reprodutivos? Eles referem-se às garantias legais que todos temos sobre como dispor de nossos corpos. A Conferência Internacional da ONU sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo, em 1994, provocou inquietações ao dar prioridade aos Direitos Humanos nos debates sobre populações, em vez de focar, pura e simplesmente, nos números demográficos que refletiam o poder de controle político sobre a sexualidade e reprodução humana. Essa conferência foi um marco em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos.
Todos reivindicam seus direitos sexuais para poder expressar e gozar com segurança em relação a sua sexualidade a partir de uma agenda positiva. Os direitos reprodutivos significam a liberdade de autodeterminação, intimidade, autonomia e privacidade. É um grito pela liberdade da vida reprodutiva, e estão associados a eles, também, a não discriminação, a não coerção e a não violência. É a garantia de uma vida sexual segura e satisfatória. É certo que esses direitos, além de ampliarem o debate sobre prevenção de DSTs, gravidez não planejada e aborto inseguro, demandam Políticas Públicas efetivas que os sustentem.
Gravidez na adolescência
Vimos, anteriormente, que a gravidez na adolescência é um fator considerável quando buscamos entender o porquê de tantas jovens e adolescentes deixarem de frequentar a escola. Mas vamos deixar essa relação mais pessoal – em vez de pensar em números, vamos pensar em pessoas. Não podemos desprezar a experiência individual da gravidez em qualquer mulher, em especial das jovens.
Deixar de lado tal perspectiva é igualmente contributivo para a evasão escolar e reprodução da pobreza, porque colabora para a exclusão da adolescente, ou seja, é preciso reconhecer os significados que a gravidez tem para essas adolescentes, quais expectativas elas possuem em relação à maternidade e os sentidos associados a este fato. Não menos importante é a escola compreender os medos e inseguranças dessas adolescentes, que engravidam sem planejar, e não podem ser reduzidas a apenas um dado percentual. Elas guardam uma história de vida, sonhos, ilusões e esperanças muitas vezes associados à maternidade, na qual muitas jovens veem um modo de sair de casa e fugir de situações de violência doméstica, por exemplo.
O outro viés é o do discurso normativo, que considera a gravidez na adolescência um fator de risco social, na medida em que amplia as chances de a adolescente reduzir sua educação formal, abandonando a escola e ingressando no mercado de trabalho com baixa exigência de escolaridade. Esse fator, muitas vezes, constitui-se no motor de reprodução do ciclo da pobreza. O discurso normativo relaciona a gravidez na adolescência com a pobreza. Nessa mesma linha de pensamento, destacam-se dois indicadores de risco para a gravidez na adolescência e transmissão de DSTs: período de iniciação sexual e uso de preservativos.

Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar – PeNSE (2015), quanto mais cedo ocorrer a iniciação sexual, tanto maior seu fator de risco para gravidez e DSTs.
Dos 27,5% dos escolares [9º ano do Ensino Fundamental] que declararam já ter tido relação sexual alguma vez na vida, responderam ter usado preservativo na primeira vez que tiveram relação sexual, 61,2%. Entre os escolares do sexo masculino esse percentual foi de 56,8% e entre os do sexo feminino, 68,7% [...]. Responderam ter usado preservativo na última vez que tiveram relação sexual, 66,2% dos escolares. Entre os do sexo masculino esse percentual foi de 66,3% e entre os escolares do sexo feminino foi de 66,0%, diminuindo o percentual entre os sexos quanto ao uso do preservativo na última relação sexual [...]. Não houve diferença entre os estudantes da rede privada e pública (66,2%). A Região Sul (71,1%), os Estados do Rio Grande do Sul (73,9%) e do Acre (72,9%) apresentaram os maiores percentuais para esse indicador [...].
Há uma nítida margem de risco, considerando-se os percentuais. A partir desses resultados, podemos perceber a necessidade de atuação do Estado por meio de Políticas Públicas voltadas para a Educação e saúde sexual dos adolescente e jovens. O desenho dessas políticas vai nos dizer o nível de controle ou de cuidado do Estado. Vamos pensar em um Estado Democrático de Direito em que o respeito ao cidadão seja a máxima: aqui, devemos considerar tanto políticas de prevenção quanto de suporte para mães.
Estes fatores considerados de risco provocam um impacto direto no Estado de Direito. Não deveria o Estado ter creches suficientes e satisfatórias para acolher os filhos das adolescentes estudantes? Não teria o SUS que ter uma estrutura suficiente para acolher as mães no pré-natal e no parto? E as escolas públicas? Também não poderiam ter uma sala de creche para os filhos das jovens e dos professores? Programas de geração de renda para mães jovens não teriam que ser desenvolvidos? Essa reflexão é importante para que lancemos um olhar crítico sobre esse “problema”, e não apenas para culpabilizar a adolescente grávida. O problema é muito mais amplo, e o fato de focarmos somente na gravidez na adolescência faz com que coloquemos uma película opaca em diversas outras problemáticas deficitárias do Estado.
Casamento Infantil
O casamento infantil é um grande problema em todo o mundo: o Brasil é o quarto país com maior registro de casamentos infantis, ou seja, uniões em que pelo menos um dos cônjuges é menor de idade (BANCO MUNDIAL, [201-?])– na imensa maioria dos casos, o menor é a mulher, ou melhor, a criança ou a adolescente. Segundo a mesma pesquisa, essas meninas, que se casam precocemente, além de serem vítimas de violência e de abuso sexual, têm mais chances de abandonarem a escola e terem filhos precocemente; todos esses fatores geram altos riscos de abandono e evasão escolar, além de sérios problemas de saúde para essas meninas-esposas e seus filhos.
Quando permitimos que uma menina possa se casar, ainda que legalmente, antes de completar a maioridade, admitimos, também, a possível consequência de que a jovem tenha menos oportunidade de decidir seu futuro. Isso se dá, principalmente, em função da escolarização interrompida, já que, ao assumir o papel de mãe/esposa precocemente, essa criança ou adolescente se vê dividida entre a vida doméstica, muitas vezes limitada e sobrecarregada pelas tarefas do lar, e a escolarização, que exige tempo e esforços que por vezes estão fora de seu alcance. O machismo também age como um obstáculo à escolarização, já que a ideia de submissão associada a ele pode estar baseada no conceito de que “lugar de mulher é dentro de casa, e não estudando ou trabalhando”.
Outra questão trazida pelo casamento infantil é o estupro marital, um problema que não acontece só no casamento infantil, mas a maior fragilidade da posição da mulher nessas situações, aliada à grande diferença de idade em relação ao marido, podem aumentar as probabilidades de esse problema acontecer.
Vamos conhecer um pouco mais dessas realidades e quais são as consequências a curto e longo prazos para essas meninas?
Fonte: Plan International Brasil (2018).