Liberdades individuais e coletivas

Para continuar nossa discussão, vamos adotar os Princípios de Yogyakarta, que vão nos permitir um entendimento bastante consistente sobre identidade de gênero e orientação sexual. Esse documento fala sobre “a aplicação da legislação internacional de Direitos Humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero”. (Princípios de Yogyakarta, 2007, p. 8)
Segundo esse documento, identidade de gênero é
a experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismos.
A partir do conceito acima, vamos compreender a orientação sexual como
uma referência à capacidade de cada pessoa de ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas.
Apesar da complexidade humana e correndo o risco de reducionismos, vamos destacar três orientações sexuais para as discutirmos por conta de sua recorrência e importância no espaço escolar e na vida: a homossexualidade, que se refere à atração pelo mesmo sexo/gênero; a bissexualidade, que é a atração pelos dois sexos/gêneros; e a heterossexualidade, que é a atração pelo sexo/gênero oposto. Essas distintas orientações sexuais se inscrevem no terreno da vida saudável. São modos de existir absolutamente reais, dignos e saudáveis; logo, não podem ser alvo de discriminações, preconceitos e violências, devendo a escola, portanto, coibir toda manifestação que houver nesse sentido.
Sabemos que, diferentemente dos homossexuais, os heterossexuais não estão tão expostos diariamente a terem seus direitos violados. Isso porque a heterossexualidade é o modelo mais difundido em nossa sociedade e, por isso, está mais propensa a ser entendida como “natural” ou “normal”. Contudo, o fato de outros grupos serem diferentes dos heterossexuais não os torna invisíveis – eles também devem receber atenção e respeito, dentro e fora da escola. Educar para respeitar as diversidades não é o mesmo que induzir determinado comportamento, como muito se fala; mas, sim, uma ação afirmativa para reparar um erro histórico, que produz violência.
As relações de gênero, segundo Haraway, “foram desenvolvidas para contestar a naturalização da diferença sexual em múltiplos terrenos de luta”. (1995, p. 221)

Reconhecer e dar visibilidade à diversidade sexual é preciso, tanto para os estudantes quanto para os educadores. A estes cabe, principalmente, ensinar a respeitar respeitando, a proteger protegendo, e a ensinar a não silenciar o preconceito de forma autoritária, mas de modo que haja diálogo e reflexão sobre as consequências sociais desses preconceitos na vida dos próprios estudantes. É papel de todos os envolvidos atentar para o desenvolvimento desses sujeitos em crescimento, chamando a atenção para o quanto estes podem estar sendo indiferentes ou participando de práticas que oprimem e desestimulam seus colegas que têm características diferentes das suas.
Com isso, há uma clara chamada para o comportamento de todos que, direta ou indiretamente, participam do desenvolvimento desses sujeitos: que olhem para si mesmos e percebam o quanto estão sendo indiferentes e preconceituosos – ou mesmo reforçando práticas discriminatórias. Até porque todos (educadores, estudantes, pais, colegas) necessitam ser respeitados em sua identidade de gênero. Ou ainda, porque são verdadeiros agentes de transformação social, promovendo espaços para discussões e para a livre expressão de cada adolescente, balizada pela ética, desconstruindo a aceitabilidade de piadas e apelidos homofóbicos e conversando abertamente sobre cada um deles, intervindo, inclusive, nas famílias. Assegurar esse espaço é fortalecer direitos. Para ajudar essa discussão, é importante que lembremos sempre: homossexualidade não se pega, porque não é doença! Não se “recrutam” crianças e adolescentes para a homossexualidade, porque não se trata de um grupo terrorista! Não é crime, não é pecado; homossexualidade não é imoral – é um jeito de ser. A Organização Mundial de Saúde (OMS), no dia 17 de maio de 1990, retirou a homossexualidade da lista de doenças mentais, declarando que a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão e orientando os psicólogos a não colaborar com eventos e serviços que propusessem tratamento e uma hipotética cura para a homossexualidade.
Em 2013, houve um avanço no Brasil com a publicação da Resolução (CNJ) n.º 175, de 14 de maio de 2013, que “dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo” (BRASIL, 2013). O Brasil é o décimo quinto país a reconhecer a igualdade de direitos para diferentes tipos de famílias.

Os diferentes tipos de família foram se consolidando com o tempo; o estatuto jurídico apenas reconheceu tais mudanças. Segundo Mônica Teresa Costa Sousa e Bruna Barbieri Waquim, em Do direito de família ao direito das famílias: A repersonalização das relações familiares no Brasil, família é:
a) qualquer grupamento humano baseado no afeto pode ser considerado (e protegido) como família, independentemente de os membros serem ligados pelo casamento ou por laços consanguíneos; b) todos os membros da família, independentemente do gênero, da idade ou das escolhas de vida, merecem ser respeitados, protegidos e ter suas potencialidades saudavelmente desenvolvidas no espaço familiar.
Assim, não cabe julgamento moral acerca das configurações familiares de cada pessoa: trata-se de liberdade! É como se expressa Cecília, se expressa Maria e também João:
Liberdade - essa palavra que o sonho humano alimenta que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda!