unidade 2

Socialização e gênero no território educativo

 

O preconceito é um tipo particular de juízo provisório.

HELLER, 2000, p. 72

O território escolar é o lugar de produção de saberes; mas, sobretudo, é um espaço de desenvolvimento do processo de socialização. Entender essa relação nos permite compreender melhor esse processo e, também, as motivações e consequências que experiências negativas podem ter na formação da subjetividade de crianças, adolescentes e jovens, algo que extrapola os muros da escola.

Na perspectiva de Durkheim (1978) sobre o processo de socialização, o “encaixe” social é tomado como inevitável. Assim, a educação é definida pelo autor como a:

[...] ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social: tem por objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine.

DURKHEIM, 1978, p. 41

É importante perceber que, nessa perspectiva, a socialização, no âmbito do espaço escolar, parece dar-se na medida do “encaixe social”. Em outras palavras, podemos dizer que esse é um espaço em que os “excessos sociais” são cortados, por não se encaixarem em um tipo de conduta do estudante esperado pela escola e pela sociedade. Muitas vezes, o espaço institucionalizado pode produzir e reproduzir modelos de comportamento próprios dos valores e ideologias dominantes em determinada cultura, como não nos cansamos de repetir, pois só podem surgir relações saudáveis no território educativo com o discurso e a vivência da pluralidade.

Assim, o termo “diversidade sexual”, que abrange todas as formas de expressão da sexualidade humana,  tem sido utilizado pelas Políticas Públicas e pelos Movimentos Sociais para cobrar o direito à igualdade, liberdade e dignidade de todos, independentemente da orientação sexual, identidade de gênero e pertencimento étnico-racial.

As discussões de gênero abriram espaço para repensar representações sociais sobre o que é o masculino e o que é feminino, apontando para a opressão da mulher, da homossexualidade, do negro, dos povos indígenas e tantas outras existências constitutivas das relações sociais que se configuram em relações de domínio e subjugação.  

Antes de avançar, vamos ver o vídeo a seguir?

Fonte: Plan International Brasil (2016).

Mulher

A dominação, historicamente construída do masculino sobre o feminino, muitas vezes parece algo incrustado, feito ferrugem no ferro, e, como tal, corrói, aos poucos, a dignidade de ser mulher (SAFFIOTIH, 1994). Nos últimos tempos, conquistas diferentes e fundamentais nos deram a impressão de que essa corrosão diminuiu; mas ainda há um longo caminho a percorrer, tendo em vista que sabemos de muitos casos de feminicídio, ou seja, assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher, que nos dias de hoje ainda ocorrem.

O Brasil é signatário de diversos acordos internacionais em favor dos Direitos Humanos. São tantos acordos e pactos que, ao os listarmos, temos a sensação de segurança e igualdade preservada; no entanto, os dados a seguir e as nossas experiências cotidianas nos mostram uma realidade diferente. Olhando para dentro, para a sociedade brasileira, percebemos que ainda precisamos avançar muito.

No Brasil, destacamos a Lei n.º 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha que cria mecanismos para coibir a violência doméstica, e a Lei nº 13.104/2015, que “altera o Art. 121 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 –  Código Penal brasileiro, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o Art. 1ª da Lei n.º 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos” (BRASIL, 2015).

Nosso País é um paradoxo: com tantos textos caros para garantia de direitos, figura na lista dos países com maiores taxas de violências baseadas na discriminação de gênero. Na mesma medida, podemos inferir que o Brasil também figura como um dos primeiros no ranking de violações de direitos. Mesmo que a porcentagem de homicídios femininos (8%) seja menor que a de masculinos (92%), o Brasil ocupa a 5ª posição mundial no ranking de mulheres assassinadas.

Segundo o Mapa da Violência (WAISELFISZ, 2015), no Brasil o número de homicídios de mulheres cresceu 252% de 1980 a 2013, passando de 1.353 casos em 1980, para 4.762 em 2013. A taxa de homicídios entre crianças e adolescentes do sexo feminino (de 6 a 17 anos) foi de 14,8% entre os homicídios femininos – destacando-se “a elevada incidência feminina no infanticídio” (WAISELFISZ, 2015, p. 37). Outro dado interessante explorado pela pesquisa é que os homens morrem mais nas ruas (48,2%), fato seguido por 26,1% de mortes em estabelecimentos de saúde e 10,1% no domicílio. Enquanto isso, as taxas de homicídios femininos distribuem-se de forma mais igual: 31,2% em vias públicas, 27,1% no domicílio e 25,2% em estabelecimentos de saúde – ou seja: se a rua é o lugar mais perigoso para os homens, as mulheres correm risco igual em todos os ambientes.

Vejamos alguns dados a seguir sobre violência contra meninas:

Figura 3: violências contra o sexo feminino.

No que tange à mulher, não percamos de vista a existência de violências que acontecem longe dos nossos olhos, formas mais sutis de sua expressão, como as que ocorrem dentro de casa, nas escolas, no trabalho e em qualquer parte. O feminicídio é a expressão máxima de uma cultura de ódio derivada da discriminação de gênero; e, como tal, excessos de violações de direitos são encobertos por uma película de silêncio pactuada sobre os braços brutos de uma sociedade opressiva. As principais violências que acompanham esse silêncio são as psicológicas, sexuais e domésticas, além de assédio, cárcere privado, estupro e perseguições.

Senão por meio da educação, qual outro caminho seria possível para mudar esse estado de coisas? Não podemos deixar esse papel somente para as famílias, que, muitas vezes, não têm sequer acesso a direitos básicos e que, já sem fôlego, também acabam reproduzindo violências que devem ser combatidas. A socialização das crianças é um momento ímpar para a educação voltada aos Direitos Humanos, desconstruindo mitos e não reforçando preconceitos, mesmo que estes se expressem em pequenos comentários e “brincadeiras”. Devemos construir práticas que se harmonizem com a paz e com a igualdade entre os diferentes gêneros. A partir desse consenso, vamos avançar e discutir identidade de gênero e orientação sexual.