Os sujeitos no território educativo: ser, querer, dever e poder

Não há como imaginarmos uma escola sem estudantes e educadores. Esses são os principais sujeitos do território educativo. De imediato, quando pensamos em escolas, tendemos a pensar primeiro nos estudantes e, apenas de forma secundária, nos educadores, sobretudo por esses serem, normalmente, adultos. Estamos acostumados a relacionar o ambiente escolar primeiramente à juventude, ou seja, à infância e à adolescência. Agora, pensando nesses estudantes, principalmente na fase da vida em que estão: o que vem a sua cabeça? É possível que tenham surgidos alguns pensamentos direcionados para pontos negativos da infância e da adolescência. Coisas como “tomara que cresça logo”, “período da aborrescência” ou “essa fase difícil vai passar”. Essa tendência que temos em abordar essas fases da vida de forma negativa se baseia em uma perspectiva “adultocêntrica".
Essa perspectiva influencia na forma como lidamos no nosso dia a dia com crianças, adolescentes e jovens, sobretudo na escola, quando ocupamos cargos de educadores e convivemos diariamente, por longos períodos de tempo, com esses sujeitos. Mas, acima de tudo, não podemos nos esquecer que essas fases da vida formam o momento de encantar-se com a vida, descobrir um universo de sons, cores, sentidos e afetos e de se reinventar, criar, absorver a vida com curiosidade, desenvolver dúvidas e acreditar que pode mudar o mundo.
Fonte: Alana (2013).
Quisera esse tempo se demorasse mais em cada um de nós.
Mas como fica todo esse encantamento pela vida quando a criança, o adolescente ou o jovem vivem imersos em um ambiente com a presença de diferentes formas de abandono e de violência? Situações em que o simples fato de ir à escola é um desafio e oferece risco de vida a eles, ou, em muitos casos, em que as condições de extrema pobreza forçam esses sujeitos ao trabalho infantil, antecipando todos os problemas físicos e psicológicos que o trabalho nos traz, mesmo durante a vida adulta.
O território escolar, ao tempo em que tem o privilégio de acolher esses momentos maravilhosos da existência humana, que são as infâncias e as juventudes, tem a obrigação de compreender essa criança e esse adolescente, respeitando sua realidade social e auxiliando-os a mudar suas próprias realidades. Condição de vida não é destino, é circunstância, e a escola deve traduzir essa vontade de ajudar a mudar em ações que garantam a capacidade necessária do aluno para que ele possa modificar sua circunstância. Isso é afeto. Propagar afeto na escola é criar um ambiente favorável ao desenvolvimento da capacidade de cada um de afetar e se deixar afetar pelo outro, de ser empático.
Ser-educador: “a dor e a delícia de ser o que é”
Me movo como educador, porque, primeiro, me movo como gente.
Para que possamos compreender a dinâmica das relações na escola é preciso falarmos também sobre o ser-educador; esse sujeito que é o alvo das expectativas de promover uma escola de qualidade, humanista, sem violações de direitos e promotora de saúde. Esse educador, que deve ser um mediador crítico e reflexivo dos currículos perfeitos, deve ser aquele que implementa com sucesso as políticas públicas voltadas para educação. Mas embora estejamos acostumados a apenas atribuir tarefas e responsabilidades aos educadores, que são os adultos da escola, não podemos esquecer que esses sujeitos também estão inseridos nessas realidades escolares. E pela perspectiva da saúde, estão sujeitos a todos os perigos e problemas que temos discutido neste texto, assim como os estudantes. Os educadores também sofrem com doenças, sofrimento psíquico e estão expostos a situações de vulnerabilidade e violência. Além disso, têm que lidar com as condições de trabalho, muitas vezes precárias, com o estresse e, ainda, com as responsabilidades que vêm junto com o importantíssimo papel de educador. Mas como bem nos faz lembrar Freire, “educador é gente”, e como é! O educador é aquela pessoa que está mais aberta a aprender do que a ensinar.
O estresse no cotidiano profissional do educador pode levar a um estresse crônico que, por óbvio, o discurso biomédico já se ocupou em classificá-lo de “Síndrome de Burnout”. Essa síndrome está associada à falta de entusiasmo, cansaço, frustração, insensibilidade emocional, insatisfação pessoal e isolamento de seus pares. Mas vamos aproveitar esse momento e fazer uma reflexão parecida com a que fizemos com o Menino Maluquinho. Tudo isso seria resultado de um adoecimento? Ou será que é resultado do educador com o ambiente no qual está inserido?
Devemos admitir que esses sentimentos não são raros e podem ser sinais de um adoecimento do corpo e da mente, mas é impossível não levar em consideração as relações com esses outros fatores, aos quais tanto estudante como educador, criança, adolescente, adulto ou idoso estão submetidos direta ou indiretamente. Assim, talvez devamos perceber que o tratamento medicamentoso pode diminuir o sofrimento momentaneamente, mas que, se grande parte desse problema é externo ao educador, o problema não será resolvido por esse caminho. Essa geração de educadores pode diminuir o sofrimento com medicamentos, mas, amanhã, uma nova geração poderá adoecer se essas condições não mudarem. O mesmo vale para os estudantes em situação de vulnerabilidade.
Vamos voltar um pouco e lembrar que só existe o educador porque também existe o estudante, o educando. Assim, ser educador é estar nessa relação com os estudantes. Acreditamos que nessa relação existe a possibilidade de ambos se ajudarem, exercitando suas emoções de forma compreensível, compartilhando suas angústias, para poderem contar uns com os outros em meio a tantas adversidades. De olharem para as realidades que podem ser transformadas e juntos construírem novos modos de viver. Superando preconceitos em meio às suas angústias e alegrias cotidianas. Compartilhando experiências de igual para igual.
Essa mesma relação de parceria e empatia será necessária para esses sujeitos poderem lidar com o fenômeno da morte, motivado sobretudo por violências. Essa é uma realidade cada dia mais próxima desses sujeitos, principalmente dos que convivem em situações de vulnerabilidade socioeconômica.